Sobre (in)tolerâncias
Sobre (in)tolerâncias
Por Alessandra
Leles Rocha
Geralmente, em casos de ampla visibilidade,
ao se tornarem réus, os indivíduos costumam ir a público tecer manifestações em
defesa própria. Eis que, hoje, vimos acontecer o contrário, no Brasil. O
ex-presidente da República, um dos 8 indivíduos tornados réus pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), nessa manhã, optou por uma comunicação, aos veículos de mídia,
totalmente desprovida de coerência e senso lógico.
Como ele já se mostrou, diversas
vezes, inclusive sob a análise das próprias acusações que o tornaram réu, um estrategista, não creio que a fala tenha se dado de maneira improvisada e
repentina. Diante da situação, a opção por manifestar uma insanidade oportuna
pode ter sido o caminho escolhido para se defender. Afinal, a robustez dos
elementos que instruíram a admissibilidade do caso, pelo STF, é incontestável.
Então, pelo menos em relação aos
seus apoiadores e simpatizantes, a aparente insanidade pode desencadear alguma
sensibilização. Trata-se da velha práxis de se colocar na posição de vítima das
circunstâncias, tentando angariar uma piedade benevolente, a qual ele nunca soube
exercer a reciprocidade. Aliás, enquanto esteve no centro do poder, seus
comportamentos irresponsáveis, impulsivos, emocionais, explosivos e de risco,
já levantavam suspeitas de ele apresentar um quadro de sociopatia. Contudo,
nada a respeito foi sequer investigado.
Agora, experenciando uma situação
inédita, no curso da sua vida, ele está profundamente desconfortável. Ciente da
gravidade e da complexidade das acusações, ele não parece devotar a sua plena
confiança à defesa jurídica e, por isso, apela para tentar construir uma defesa
popular, com base na persuasão e na tolerância de seus asseclas.
Daí o argumento da insanidade ganhar
espaço. Ao surgir em público visivelmente ansioso, demonstrando dificuldade de
concentração e raciocínio, às vezes, irritado, ele se mostra afetado pelos
acontecimentos na esfera jurídica, os quais se pronuncia injustiçado.
Se a extravagante estratégia vai
efetivamente funcionar, só o tempo dirá! Os outros 7 réus também farão suas defesas
e muita água pode rolar por debaixo dessa ponte. Aliás, muito esgoto! Porque no
afã de se eximirem das responsabilidades que lhes são atribuídas, muita coisa
ainda não dita pode vir à tona e gerar um verdadeiro tsunâmi de desdobramentos.
Nem tudo foi dito. Há muitos silêncios a serem desvendados. Afinal, estamos
falando de cinco crimes: liderança de organização criminosa armada, tentativa
de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e, dano
qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Cujas penas podem somar mais
de 40 anos de reclusão.
Seja como for, esse é um momento
importantíssimo para o Brasil, para a sua construção identitária cidadã. Um
tempo de ampla e profunda reflexão sobre nossas crenças, valores e princípios. As
terríveis fendas que o movimento ultradireitista, com o apoio de outros matizes
da Direita, impôs ao país, nos últimos anos, levou-nos a uma obrigatória reflexão:
“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se
estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos
preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância,
então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles” (Karl Raimund
Popper - “Paradoxo da tolerância”,1945).
Portanto, um dos vieses sobre os quais o STF se debruça, nesse caso, diz respeito à disseminação da intolerância, presente em cada uma das 5 acusações apresentadas aos réus. Uma intolerância que não se furtou a afrontar a civilidade, o respeito, o senso coletivo, os direitos humanos, porque, como dizia Umberto Eco, “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo”.