Rumo ao Imperialismo digital???

 

Rumo ao Imperialismo digital???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto o caldeirão social brasileiro borbulha, nada fica mais claro do que seu apego, total e irrestrito, à sua herança colonial, sob diferentes aspectos. Basta se interessar, por exemplo, pelo que trazem os veículos de comunicação e de informação a respeito dos fatos cotidianos protagonizados por um amálgama social que mistura personagens da contravenção, do narcotráfico, das forças de segurança e da política nacional 1.

Ora, em linhas gerais não há como negar a existência de um quadro de organização social e política sob muitos aspectos semelhante ao que se viu acontecer no país, quando a Metrópole Portuguesa delegou a tarefa da colonização e exploração do território para alguns comerciantes e/ou pessoas pertencentes à nobreza. Falo das chamadas capitanias hereditárias.

E diante da escassez de recursos, do abandono por muitos dos donatários, os conflitos gerados com os povos originários por conta da invasão de suas terras, pouco mais de um ano antes da Proclamação da República, o sistema foi formalmente extinto. Bem, pelo menos em tese.

Com uma pitada de atenção é possível perceber, então, como no Brasil opera a força conservadora de famílias e grupos, ainda em pleno século XXI. Estabelecidos em diferentes partes do território nacional, esses indivíduos detêm não só o poder político e administrativo de determinadas áreas, como o poder capital. De modo que o Estado brasileiro, há séculos, assiste aos conflitos entre essas famílias e grupos, em detrimento dos interesses e demandas da população em geral.

É por essas e por outras, que quaisquer tentativas de ruptura desse quadro por parte do Estado geram, automaticamente, ruídos e tensões 2. Ora, essas pessoas tentam, a todo custo, negar o presente e se apegar ao passado cômodo e confortável, o qual sempre lhes garantiu toda sorte de regalias e privilégios. Daí a força conservadora, materializada pelo ideário da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Bem, mas se estamos falando de herança colonial é preciso expandir o olhar além da própria colônia. A onda retrógrada impulsionada, principalmente, pela ultradireita internacional, diz muito a esse respeito 3. Me parece, cada vez mais clara, a proposta de fazer emergir um Imperialismo digital.

Tendo em vista o fato de que as antigas Metrópoles se tornaram grandes e poderosas potências globais, em plena era das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), elas não precisam mais invadir e ocupar fisicamente os territórios, como fizeram entre os séculos XV e XIX. Os seus propósitos de expansão política, cultural, econômica e territorial, passam a acontecer através de todo o arcabouço tecnológico por elas desenvolvido.

De modo que esse cenário se fortalece, quando as antigas Metrópoles, através de seus representantes da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, se aliam aos seus correspondentes nas antigas colônias, os quais contemplam as elites ou parcelas privilegiadas pelo poder político, administrativo e capital. O que explica o movimento refratário dessas elites às ações do Poder Executivo e do Poder Judiciário federal, ao contrariarem seus interesses 4.

Acostumadas a ver o mundo pela perspectiva limitada do lugar que ocupam na sociedade, essas pessoas não admitem ser frustradas, ou incomodadas, ou questionadas. Depois de pouco mais de 500 anos de história, elas construíram no seu inconsciente coletivo uma legitimidade que as coloca em uma posição de importância absoluta e inabalável. Sem contar, o fato de seus pares, nas grandes e poderosas potências globais, se colocarem à disposição de uma aliança internacional, capaz de lhes reafirmar seus pseudopoderes.

Vejam que essa gente está tão absorta no passado, que não se percebem sendo novamente usadas. Que no fim das contas, tanto elas quanto quaisquer outros cidadãos brasileiros continuam vistos como “cucarachas”, indivíduos inferiores, subalternos, submissos, obedientes, dependentes, frutos de uma ex-colônia qualquer. Mas, que servem muito bem aos interesses do Imperialismo digital.

Não deixa de ser estarrecedor pensar o quanto milhões de pessoas foram induzidas, manipuladas, alienadas, pelos apelos da sociedade de consumo. Por qualquer novidade há quem se renda à verdadeiras loucuras em nome do Ter. E infelizmente, isso chegou ao rol das inovações tecnológicas. Todos os avanços foram sim, para adestrar a humanidade e colocá-la a serviço dos interesses dos donos do mundo, mais uma vez.  

Vejam, por exemplo, quantos esforços estão sendo feitos para impedir a aprovação de uma Regulamentação das Redes Sociais, no Brasil 5. Para que o Imperialismo digital prospere é importante que a sociedade esteja fragmentada, radicalizada, divergente e assimétrica, sobre assuntos de interesse coletivo. E as redes sociais são arenas para a disseminação desse ódio, dessa beligerância arraigada, dessa propagação de efeito manada, desse culto ao desvirtuamento da verdade.

Não importa, se pessoas estão morrendo por conta disso! Não importa, se famílias estão se esfacelando! Não importa, se os seres humanos estão sendo vigiados e controlados por algoritmos tendenciosos e manipulados! Não importa, se a tecnologização está acenando para o desemprego e o empobrecimento global! Não importa ...!

Isso significa que as grandes empresas que exercem o domínio do mercado de tecnologia e inovação estão ampliando suas fortunas. As redes sociais também. A indústria que produz suprimentos tecnológicos também. E as antigas Metrópoles, que se tornaram grandes e poderosas potências globais, estão cada vez mais influentes e poderosas!

Longe de achismos ou casuísmos, fato é que a proposta de um Imperialismo digital tende sim, a aproximar a humanidade de uma realidade distópica, ou seja, caracterizada por uma perspectiva de convivência e coexistência social extremamente pessimista, repleta de incertezas e dúvidas a respeito do futuro. Uma realidade que busca se alicerçar pelo fundamentalismo disseminado em todas as instâncias da vida humana, para garantir a permanência do poder nas mãos de quem detém o capital.

Em suma, a raça humana está cada vez mais próxima de uma exibição explícita de sua estupidez. Sim, porque o Imperialismo digital, como todas as expressões e manifestações de autoritarismo, supremacia, superioridade, no fim das contas, não significam nada. Quando se pode ser banido ou varrido da face da Terra, por qualquer motivo, e não se pode levar nada consigo, todos esses projetos dizem nada.

Podemos dizer que há neles, somente, uma reafirmação da nossa finitude, da nossa efemeridade, da nossa transitoriedade. Não somos. Estamos. Pois é, nossa arrogante vaidade quer nos matar!  Quer lustrar a nossa bobagem. Quer acelerar a nossa partida.  Quer tornar mais cruel e impiedoso o nosso fim. Mas, nisso não reside nenhuma razão justificável ou compreensível. Talvez, seja por isso, que Martin Luther King Jr. tenha afirmado: “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez conscienciosa”.