O mundo. Seus pedaços. Seus remendos.
O mundo. Seus
pedaços. Seus remendos.
Por Alessandra
Leles Rocha
Não, não adianta negar. Fugir. Se
esconder. Desconversar. O cenário atual do mundo, repleto de guerras e
conflitos, não deixa dúvidas quanto a um processo de desdemocratização global. Em
linhas gerais, isso significa que as correntes de poder, lideradas
principalmente pela ultradireita, estão imbuídas em trabalhar a favor da redução
de direitos, liberdades e participação popular.
Guerras e conflitos são um prato
cheio para essa ideia. Afinal, eles estabelecem um cenário bastante favorável à
submissão e ao desalento, por parte de todos aqueles que se encontram abaixo
das linhas de poder. Não é à toa que a beligerância vem explodindo de um lugar
para outro, sem trégua, sem limites, sem razão.
Na verdade, esse é um processo contextualizado
pelas idas e vindas dos ciclos colonizatórios e imperialistas, os quais a
historicidade tem muito a revelar. O que importa, diante da
conjuntura atual, é entender as razões que levam certos grupos a lançarem mão da
desdemocratização como estratagema de manutenção e preservação de poder.
O grande passo dado pela
humanidade com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII,
fracassou nas suas promessas. A começar pelo fato, por exemplo, de que a
autorregulação do mercado, sem intervenção estatal, não foi capaz de garantir o
bem-estar social. Além disso, os custos sociais e ambientais das atividades
econômicas, como poluição e degradação ambiental, mostraram-se inúteis e
desproporcionais diante de recursos naturais finitos, os quais a qualquer
momento podem causar a paralização dos processos. Assim, busca-se com a
deflagração de um estado de beligerância global promover um elevado
tensionamento social que submeta a população aos ordenamentos impostos pelas
forças de poder.
Algo já conhecido historicamente
nos tempos coloniais e/ou imperialistas. Acontece que nesse tipo de geopolítica,
em pleno curso, na contemporaneidade, há uma nova sistemática de apropriação indevida
do espaço geográfico e, portanto, um rearranjo das fronteiras e limites
territoriais, à revelia da soberania dos países. De modo que os ciclos
exploratórios, sob diferentes formas e conteúdos, acontece alheia aos parâmetros
jurídicos, inclusive, do direito internacional. Essa grave violação de direitos,
geralmente através da força militar e com a perda de autonomia da região
colonizada, ameaça populações inteiras, no que diz respeito à sua identidade e patrimônio
nacional.
Sem contar que, dentro desse contexto,
o papel da desdemocratização busca enfraquecer as instituições locais,
estabelecer leis que enfraquecem, de diferentes maneiras, o exercício cidadão, acirrar
a desigualdade social e econômica, usar a máquina estatal em favor dos seus
interesses privados, e, por fim, causar a erosão completa do Estado de Direito
a fim de que as leis existentes sejam aplicadas de forma seletiva ou não sejam
respeitadas.
É isso o que está acontecendo no
mundo, em pleno século XXI. Para garantir que os processos industriais permaneçam,
por mais algum tempo, viáveis e que a acumulação de capitais esteja dentro dos parâmetros
esperados pelas elites do poder, esse é o preço que está sendo cobrado da
humanidade. Haja vista a escalada de violência e de práxis autoritárias, que
vem sendo empregada nas guerras e conflitos, em curso.
Bem, dizia Agustina Bessa-Luís, escritora
portuguesa, “As guerras não surgem por motivos econômicos ou passionais. É
uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo
interior isolada do mundo exterior”. Mas, seja por qual motivo for, a única
verdade é que “Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém ganhará a próxima”
(Eleanor Roosevelt - Ex-primeira-dama dos Estados Unidos).
Afinal, “Não é a paz que lhe
interessa. Eles se preocupam é com a ordem, o regime desse mundo. (...) O
problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma
doença em nossa história” (Mia Couto - O Último Voo do Flamingo, 2000). Por
essa razão, “Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras.
Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam
sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se
olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas” (Mia Couto - Mulheres de
Cinza, 2015).