Trabalho e o século XXI

 


Trabalho e o século XXI

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Apesar de 1º de maio ser referenciado como Dia do Trabalho, com status de feriado, em muitos países, isso não impõe necessariamente uma celebração. Ao contrário, as conjunturas contemporâneas; sobretudo, nesses tempos pandêmicos do século XXI, estabelecem uma necessidade cada vez maior de reflexão sobre o tema.

Na medida em que o topo da pirâmide social se torna cada vez menor e mais detentora de riquezas e poder, é sinal de que o restante está sob condições cada vez mais indignas e desprivilegiadas, incluindo o trabalho. O que significa dizer que o mundo vem demonstrando um acirramento na distribuição desigual de bens e riquezas.

A questão é que o problema não se restringe a distribuição. A riqueza retroalimenta outros ciclos de exclusão social, os quais nem sempre são percebidos de maneira adequada. A começar pelos investimentos científicos e tecnológicos que fazem mudar a todo instante as configurações do mercado de trabalho, porque possibilitam uma inserção cada vez maior da mecanização em detrimento da mão de obra convencional, ou seja, as máquinas substituindo profissões e/ou reduzindo as oportunidades de trabalho.

Depois, essas mudanças não só exigem uma qualificação profissional cada vez mais atualizada e específica, como, também, criam outros nichos profissionais. Acontece que a grande massa de trabalhadores se encontra anos luz de distância desse perfil. Trata-se de uma miscelânea de gerações que não apresentam o mesmo nível de letramento digital. Aliás, muitos deles nem contam com a possibilidade da acessibilidade digital.

A quantidade de riqueza e a velocidade no patamar de investimentos, no mundo do trabalho, foi tão intensa que criou um abismo e dividiu os trabalhadores em dois mundos distintos, o convencional (analógico) e o futurista (digital). Entretanto, não possibilitou estabelecer um processo de adaptação e formação laboral continuada para realocar os contingentes de trabalhadores impactados pelas ondas advindas desse movimento.

Por isso as estatísticas do desemprego e do desalento no mundo são terríveis. Porque elas não dão conta de um recorte trimestral qualquer, dentro de um momento conjuntural; elas dão conta de uma linha histórica que começou a ser delineada desde a 1ª Revolução Industrial. Portanto, a cada nova revolução que emerge, esse processo vai adquirindo contornos cada vez mais dramáticos.

Como ficou ainda mais claro, durante essa pandemia, o universo laboral existe mediante demandas de consumo e possibilidades em satisfazê-las. Não é à toa que as pesquisas mostraram desempenhos bastante distintos entre e intra setores econômicos, o que aponta para uma heterogeneidade mediante o contexto do recorte temporal analisado. O que leva a movimentos demissionários mais exponenciais para algumas categorias do que para outras.

De modo que, no frigir dos ovos, a relevância dos acontecimentos concentra-se em buscar soluções que possam mitigar e dar sustentação aos constantes rearranjos que precisam ser promovidos no mercado de trabalho do século XXI. Porque se as estruturas de produção se transformam e as demandas de consumo aspiram por outras prioridades, o trabalhador precisa estar apto para acompanhar a dinâmica dessas metamorfoses.  Não serão com ideias simplistas que os desafios serão superados.

O número de pessoas à margem dos trabalhos formais é muito grande para se acreditar que, apenas, orientando-as a transpor a fronteira da informalidade para a condição de Microempreendedor Individual (MEI), por exemplo, tudo estará resolvido.

Primeiro, porque no desemprego a desigualdade social, também, opera. Segundo, porque transformar todos os milhões de desempregados e desalentados em MEI, ou em Microempresa (ME), ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), não resolve as necessidades econômicas do país, porque eles se concentram basicamente no setor terciário (serviços).

A grande verdade é que sem investir em um modelo de educação cidadã, que possibilite aos indivíduos a construção adequada de conhecimento no campo técnico-científico-informacional, para atuar em serviços cada vez mais inovadores e sofisticados, os quais demandam especialização e eficiência, o país só tende a mergulhar no atraso.

Observe que, até mesmo, os setores primário e secundário vêm exigindo uma mão de obra melhor preparada. No caso do setor primário, a agricultura, a pecuária e o extrativismo vegetal, animal e mineral, para conquistarem espaço na exportação internacional, tem precisado imprimir práxis ambientalmente sustentáveis, que repercutem diretamente na exigência de qualificação dos seus profissionais.  

O mesmo acontece, no setor secundário, o qual representa a indústria e toda a cadeia de produção de bens duráveis e não duráveis, por conta de toda a tecnologização em paralelo as diretrizes ambientais sustentáveis propostas para o setor.  

De modo que se a sociedade não começar a refletir sobre todos esses aspectos, em muito pouco tempo haverá um colapso no mundo do trabalho. Haverá mais carência de mão de obra, baixa produtividade, redução na oferta de bens e serviços, limitação nos lucros, postos de trabalho sendo fechados, enfim... A grande engrenagem, então, vai parar e toda a pirâmide social sofrerá as consequências; sejam elas diretas ou indiretas, sejam eles os donos dos meios de produção, banqueiros, magnatas ou, simplesmente, os proletários, os operários invisíveis.