Qual o motivo do espanto, da perplexidade?

Qual o motivo do espanto, da perplexidade?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Qual o motivo do espanto, da perplexidade? Não é a primeira e, certamente, não será a última vez, que parte da representatividade político-partidária nacional se despe da ética, da moral e do compromisso constitucional, para trair a pátria. Vamos, lá! Vamos fazer uma breve retrospectiva dos acontecimentos. Lembrando que não há acasos e nem coincidências na historicidade brasileira.

Dada a sua gênese colonial, as forças do poder concentradas, ao longo de pouco mais de 500 anos, nas mãos de uma ínfima minoria, é desde sempre refratária a quaisquer movimentos que busquem uma transformação social por meio de reformas e avanços, geralmente em áreas como direitos humanos, igualdade social e justiça. Bem, mas é nas mãos dessa gente que, também, se concentram os poderes político-partidários.

Portanto, a verdade é que essa gente não se sente representante de quem não pertença ao seu nicho social. O que significa que eles não se veem obrigados ou compromissados a trabalhar em favor das camadas que os sustentam na pirâmide social.  Pelo contrário, eles estão sempre a postos para defender os seus interesses e os daqueles que lhes são apoiadores, financiadores e simpatizantes. Afinal, eles não estão dispostos a incorrer em aventuras que sinalizem uma   transformação social, no país.

Daí a fúria, a indignação, o inconformismo, sob diferentes formas e conteúdos, que essa gente tem apresentado para retomar as rédeas do Brasil, em suas mãos; bem como, banir, a qualquer preço, a presença física e ideológica das correntes progressistas, no país. Haja vista a arquitetura de um processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. A prisão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para impossibilitá-lo de concorrer às eleições de 2018. As maquinações engendradas para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro, a partir de 2019. E a configuração de inúmeros atos antidemocráticos, que culminaram na depredação das sedes dos Poderes, em Brasília, no 08 de janeiro de 2023.

Acontece que o resultado dessa empreitada não foi o esperado. Apesar de todos os pesares, o progressismo retornou ao poder. Antevendo essa possibilidade, mesmo valendo-se de todo o uso da máquina pública para garantir que o resultado das urnas, em 2022, os favorecesse, eles trabalharam arduamente no desmantelamento da organização institucional, do país.

Não bastasse a imposição de um modelo político-administrativo com plena ênfase no livre mercado, na intervenção mínima estatal, na desregulamentação, na privatização, na austeridade fiscal, ainda que em detrimento do bem-estar social, a gestão federal entre 2019 e 2022, deixou um campo minado para o governo posterior.

Aliás, eu trouxe esse assunto em textos como, “Até o apagar das luzes...” 1, “Orçamento federal para 2023. Reminiscências do Beija-Mão.” 2 e “Promessas, prioridades, necessidades... O impasse da LDO/2023” 3.

Portanto, basta de ingenuidade! A historicidade humana não deixa dúvidas sobre o quanto as relações sociais são atravessadas e manipuladas pela força do poder econômico. Assim, considerando o fato de que um governo progressista foca em questões como, por exemplo, a eliminação da pobreza, da discriminação e do acesso aos serviços básicos, minar sob diferentes aspectos a economia é uma estratégia de fragilização e obstaculização para o engessamento das pautas governamentais.

Clara e objetivamente, a decisão do presidente da Câmara dos Deputados em pautar e colocar em votação, na calada da noite, de forma inesperada, o projeto que derruba o decreto do governo federal sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) 4, é só mais um estratagema de reapropriação do poder pelos herdeiros históricos do topo da pirâmide social.

Trata-se de uma atitude que não é menos ruim ou grave do que a barbárie do 08 de janeiro de 2023, na medida em que tem como pano de fundo, o mesmo objetivo, ou seja, demonstrar aos quatro cantos do país a sua fúria, a sua indignação, o seu inconformismo, diante de quaisquer iniciativas que teimem em alterar o seu status quo. Eles e seus apoiadores, financiadores e simpatizantes não desejam um país diferente do que herdaram de suas ascendências.  

Bem, e se há fúria, indignação e inconformismo, pode-se esperar novos movimentos contra o governo. De modo que é preciso trazer à tona, à luz da população, de maneira didática, o que está acontecendo no país e o que pode vir a acontecer. As pressões e tensões, para impedir que o Brasil construa uma sociedade mais justa e equitativa, estão cada vez mais acirradas. É fundamental que a população entenda a dimensão das perdas que isso representa para ela, no seu dia a dia, antes que ela descubra da pior forma.

 Não nos esqueçamos das palavras de Bertolt Brecht, quando diz que “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo”.