A favor da vida. Será?!
A
favor da vida. Será?!
Por
Alessandra Leles Rocha
O ser humano é o que é. Basta
um descuido do inconsciente e lá se vão as aparências; sobretudo, aquelas
moldadas em frases de efeito, ideologias massificadas. Porque as palavras
traem. A formulação dos pensamentos não é algo tão simples como se pensa. Basta
observar com atenção para se deparar com as contradições que desconstroem a
relação de cumplicidade que deveria existir entre palavras e ações.
Nesse contexto, tenho um
exemplo particularmente interessante que é a vida. Saia por aí, despretensiosamente,
perguntando quem é a favor da vida e não será surpreendido com uma resposta
negativa a respeito. Sim, 99,9% das pessoas lhe dirão a plenos pulmões serem a favor da
vida. Por que, então, somos obrigados a viver sob um guarda-chuva de violências?
Afinal, violência seja ela qual for é um instrumento que atenta direta ou
indiretamente contra a vida.
Isso nos leva a pensar que
ser a favor da vida não é uma condição humana absoluta. Há uma série de
relativismos apresentados no âmbito da reflexão social que conduzem a uma perigosa
flexibilização a respeito da vida; como se isso fosse possível. Ora, ou se permite
viver ou se permite morrer. Não há meio termo, concorda? Mas, quando a
sociedade tenta compatibilizar a vida com a violência é exatamente isso o que
ela tenta legitimar.
De modo que, ampliando com
lupas de alta resolução o fenômeno das violências sociais, descobrimos que elas
não atingem de maneira uniforme e equitativa a sociedade. Isso significa que as
violências nos sinalizam o ponto crucial em que a vida se torna hierarquizada
em frações de maior ou menor prioridade e importância; especialmente, no que
diz respeito a ser cuidada e preservada. Nos deparamos com a existência, então,
de vidas sob alto risco de vulnerabilidade e abandono dentro da sociedade. Diante
disso, paira a pergunta: somos ou não a favor da vida?
Porque se a resposta for
afirmativa é necessária uma imediata reformulação nos valores, nos princípios,
nas políticas, nos discursos e nos comportamentos. Porque ser a favor da vida
significa essencialmente uma ruptura com quaisquer estereótipos sociais, para
conseguir enxergar apenas a existência humana que reside naquele ser. É lutar
para que todos vivam sob o princípio da dignidade, ou seja, que seus direitos
fundamentais sejam garantidos e preservados. Ser a favor da vida, portanto,
implica diretamente na discordância com a desigualdade.
Quanto mais a sociedade
enviesa o seu sentido a respeito da vida mais se desenvolvem os tentáculos da violência.
Porque o ciclo de extrema desordem que se retroalimenta entre a percepção
equivocada de defesa da vida e as violências sociais é o que a distancia cada
vez mais do seu sucesso humano. O mundo do século XXI, infelizmente, ainda persiste
arrastando as correntes pesadas e dolorosas das práxis promovidas em séculos
passados.
É preciso compreender que a
vida não é uma discussão estabelecida pela sociedade. Mas, a partir do momento
em que o indivíduo nasce ele é sim responsabilidade dela. Não importa raça,
credo, gênero, status, ... absolutamente nada. Aquela vida tem, portanto, valores
e direitos humanos fundamentais que devem ser assegurados, como rege a
Constituição federal de 1988 1 .
Quando a sociedade se
debruça admirada aos avanços da contemporaneidade deveria, então, pensar sobre
cada ser humano silenciosamente presente no processo. O que seriam dos grandes impérios
sem todas as vidas que os ajudaram a ser construídos? O que movem as
engrenagens diárias do mundo não são as vidas?
Apenas os seres humanos doam
seus órgãos para salvar a vida de outro ser humano. Seres humanos dedicam seu
trabalho e conhecimento para tornar a vida de outro ser humano melhor e mais
confortável. .... Isso significa que, apesar de todo o individualismo existente
no mundo, a vida ainda é um jogo coletivo.
Portanto, ser a favor da
vida é ter a dimensão consciente sobre toda essa reflexão. É se desapegar das
superficialidades e tolices repetidas a esmo na marcha das manadas sociais. Afinal,
quando os olhos se fecham, a boca se emudece no silêncio profundo da
eternidade, o corpo jaz frio e inerte, nada do que se tenha em termos materiais
ou em feitos esplêndidos será capaz de suplantar ao extraordinário que existiu enquanto
havia vida.