Talvez seja tempo de repensar a violência!

Talvez seja tempo de repensar a violência!




Por Alessandra Leles Rocha




Ao contrário do que muita gente imagina o ser humano não eliminou a barbárie da sua essência. Não é à toa que vivemos rodeados por inúmeras manifestações de violência exacerbada. Mas, o pior é que ela revela outras faces ocultas, as quais geralmente passam despercebidas na análise dos fatos.
Muitos dizem que a violência é fruto da desigualdade. No entanto, uma boa observação traz a luz de que a violência, em muitos casos, é um artifício para tentar equilibrar a dimensão das desigualdades; como uma contínua sucessão de respostas e contra respostas entre quem está em desvantagem social e os que detêm a vantagem dos privilégios.
É o exemplo do menor infrator que rouba um tênis de marca nos arredores de uma escola de luxo. São os furtos em condomínios de classe A e B. ... Enfim, são todas as manifestações que apontam para uma resposta que busca compreender o porquê alguns têm direito e acessibilidade a bens, serviços e lugares, enquanto outros não.
Todos querem pertencer. Todos querem ser aceitos. Todos querem. E na medida em que a teoria da igualdade se constitui na prática da desigualdade há um estiramento do controle comportamental, fazendo emergir o que de pior o ser humano pode ser. De algum modo, quem está em desvantagem se sente referendado a reagir, a buscar, a fazer valer o seu próprio direito.
Quase sempre aqueles que estão em posição de vantagem se esquecem ou optam por não enxergar essa dinâmica. Há uma pseudo consciência de superioridade capaz de os envolver a tal ponto que se julgam acima do Bem e do Mal, imbatíveis, imortais, invencíveis. Que não precisam se preocupar com nada e nem ninguém, como se a vida fluísse segundo as suas vontades e quereres. Alguns se dizem, inclusive, ungidos pela vontade divina. Até que um dia a violência lhes arrebata de alguma forma.
E diante dela quaisquer eventuais prerrogativas esmorecem de joelhos. A violência do cotidiano é astuta e se vale da imprevisibilidade. É na base do “de repente”. De modo que não há muito que se fazer. Com alguma sorte, só resta escutar o “Perdeu, playboy! Perdeu!”. Porque quase sempre a semente do ódio já está tão desenvolvida que a fúria floresce exalando a morte.
Por isso, quando ouço as pessoas defendendo o porte e o uso de armas, percebo que elas repetem um discurso totalmente irrefletido. Primeiro, porque elas estão defendendo essa ideia apenas para aqueles que podem arcar com os altíssimos custos oriundos dela. Embora amparadas pelos parâmetros legais vigentes, esse discurso já traz em si um traço marcado da desigualdade.
Armas, munições, curso de tiro, tudo isso impõe gastos que não são acessíveis a qualquer um. Isso significa, então, que querem o direito de armar uma determinada parcela da população, ou seja, como se apenas estes tivessem o direito de se defenderem e, por consequência, seus bens e propriedades.  
Segundo, porque esse direito restrito fomenta a expansão das ações delituosas, ou seja, o furto de armas. Portanto, a tendência natural é que essas armas, adquiridas legalmente, em um curto espaço de tempo, tenderão a estar nas mãos do submundo criminoso, favorecendo outros tipos de violência urbana. Ou seja, o limite entre a segurança e a insegurança se torna uma mera ilusão.
Terceiro, porque a própria dificuldade de gestão e controle do porte e do uso de armas no país favorece muito mais à violência do que a segurança. A violência não se nutre apenas do furto de armas e munições; mas, também, do contrabando internacional. De modo que quaisquer sensações de legalidade e controle da situação se esvaem rapidamente diante da realidade.
Por fim, a presença de armamento em casa é uma ameaça iminente as pessoas. A curiosidade e a imprudência de crianças e adolescentes já promoveram tragédias irreparáveis. Sem contar, às vezes em que essas armas alcançaram outros espaços, como escolas, e puseram em risco a integridade física de pessoas, não lhes oferecendo a oportunidade de defesa.
A violência não leva ninguém a lugar nenhum. Definitivamente ela não é construtiva. Um minuto de violência para décadas de sofrimento e arrependimento. Portanto, no frigir dos ovos, o ser humano é vítima e algoz de si mesmo.
Por meio dessa barbárie que ele não consegue dominar, ele constrói cenários de horror para manifestá-la. Preconceitos. Discriminações. Intolerâncias. ... Até que todas as desigualdades façam a fogueira da violência arder em fogo alto. A questão é que a essência do fogo é incontrolável e pode queimar além do que deveria; inclusive, a começar justamente por quem o ateou. Talvez seja tempo de repensar a violência!

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