Uma espiral de desordem e retrocesso


Uma espiral de desordem e retrocesso




Por Alessandra Leles Rocha




Muito se discutiu a questão do negacionismo científico por conta da Pandemia; mas, percebo que isso vai muito além. A carência de método e planejamento propriamente dito faz dessa situação inesperada uma potencial candidata a embarcar em uma espiral de desordem e retrocesso sem precedente.
Observando a realidade brasileira isso fica dia a dia mais evidente. O país vive um panorama individualista de idas e vindas, no tocante à tomada de decisões importantes relativas à Pandemia, que não alcançam um denominador comum satisfatório em curto, médio e longo prazo. A própria curva de casos, por exemplo, se transformou em uma incógnita no que diz respeito a uma resposta mais efetiva sobre quando ela se achatará para iniciar o processo de remissão.
Entendo que a sociedade tem vivido as últimas décadas sob um culto exacerbado do individualismo e, talvez, tenha perdido o hábito de entender-se coletivamente. No entanto, é exatamente isso que o momento atual exige. Um vírus não conhece fronteiras, nem regras, nem protocolos de quem quer que seja. Ele é livre e capaz de se disseminar em uma velocidade e alcance indescritíveis. Portanto, foi muita ingenuidade, ou excesso de amadorismo, pensar que cada um no seu quadrado pudesse tomar decisões individualmente.
Seres humanos não são seres sésseis. Eles transitam, se deslocam, se movimentam e, nesse caso propriamente dito, carregam consigo um hóspede perigoso e invisível. E como temos milhões de seres humanos convivendo e coexistindo em uma geografia cujo urbanismo dispõe de fronteiras bastante tênues e flexíveis, o planejamento coletivo e suas matrizes metodológicas se tornam imprescindíveis para o controle sanitário e a preservação de vidas.
No entanto, isso não se restringe apenas ao momento epidêmico; mas, ao processo epidêmico que é algo muito maior.  Inclusive, porque em razão do ineditismo dessa manifestação viral, que contempla não só o desconhecimento acerca do vírus em si, mas a ausência de tratamento específico e/ou imunobiológicos de prevenção, é impossível prever a duração de cada etapa desse processo.
Daí, a necessidade de um planejamento estratégico, a fim de mitigar ao máximo as consequências e desdobramentos nefastos que certamente irão incidir sobre a totalidade da teia social do país. E a sociedade é uma estrutura altamente complexa que envolve pessoas diferentes, que estão imersas nas cadeias produtivas mais diversas, que movimentam as engrenagens econômicas, que sustentam o desenvolvimento e o progresso do país. 
Quaisquer impactos nessa dinâmica exigem medidas embasadas por planejamento, por método; mesmo que, como acontece nesse caso, deverão se constituir segundo as demandas desse ineditismo presente na situação.  Para uma Pandemia dessa envergadura não cabem velhas ideias, velhos processos, porque o nível de ruptura com o fluxo natural do cotidiano foi muito intenso e severo e impôs uma realidade total e rapidamente reformulada diante dos olhos. 
Os equívocos e desencontros manifestos nos primeiros momentos da Pandemia foram, de certo modo, desculpados e colocados em crédito de aprendizagem forçada. Mas, passados os meses isso não cabe mais. É preciso mais foco, mais exatidão, mais precisão; pois, o tempo urge.  A vida das pessoas foi revirada de cabeça para baixo em todos os sentidos e é fundamental dar-lhes o mínimo de ancoragem médico-sanitária e socioeconômica para aguardar os tempos de recomeço na Pós-Pandemia. Entretanto, como negaram o planejamento, o método...
Infelizmente, essa conduta dissociou e esfacelou a própria sociedade. Negligenciar a vida dessa maneira é um erro crasso. Sem vida, nenhuma sociedade se firma ou prospera. O capital só existe a partir da vida humana, do trabalho por ela empenhado. Pessoas doentes não respondem as essas expectativas. Mortos, também não. Contaminados, talvez; mas, sob a ameaça de afetar outros tantos da cadeia produtiva e gerar uma paralisia processual. Enfim...
E enquanto se posterga cada vez mais essa negação, mais os desdobramentos vão se avolumando e tecendo panoramas piores. O não fazer é uma opção que custa muito mais caro e gera um passivo inominável.  Sobretudo, porque não se trata só do Brasil. O país ainda não se despregou da geografia do mundo e precisa fazer bem a sua parte para encontrar respaldo nas relações políticas, econômicas, produtivas e comerciais entre os demais. Afinal, tudo o que o mundo não vai precisar no Pós-Pandemia é de um estorvo.
Nitidamente o país está enovelado pela própria inércia imobilizante. Postergando as necessidades reais e emergenciais do contexto, enquanto reclama de postergações de planos contextualizados em uma realidade que não vigora mais. Ao espelho que se tem já parece cair em queda livre na espiral de desordem e retrocesso. Talvez, um dia a história se lembre de dizer que tudo poderia ter sido diferente; mas, aí o tudo já estará reduzido às páginas da história.

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