Quanta hipocrisia!


Quanta hipocrisia!




Por Alessandra Leles Rocha





Desde que a Pandemia do COVID-19 abraçou o mundo, a ciência tem cumprido com excelência o seu papel em buscar respostas sobre a biologia do vírus, os fármacos que podem debelar a infecção viral no organismo e/ou uma vacina capaz de prevenir em largo alcance a contaminação; essa última, o sonho dourado da maioria dos governantes do planeta nesse momento.
Quando vejo, então, a hipocrisia nos rondar pelo desespero de uma vacina, eu não tenho como não pensar no célebre episódio ocorrido no Rio de Janeiro, em 1904. A obrigatoriedade de vacinação contra a Varíola levou a um motim popular, denominado Revolta da Vacina 1. Erradicada desde 1980, na década de 60 chegou a apresentar 15 milhões de casos por ano no mundo.  Altamente contagiosa, a taxa de mortalidade da Varíola era de 30%.
E por que me recordo da história? Porque, no fim das contas, a existência ou não de uma vacina não é garantia de controle epidemiológico sobre as doenças. Isso porque, o clamor popular pela vacina, muitas vezes, não passa de discurso hipócrita. Haja vista o que aconteceu com o Sarampo, que aparecia erradicado no Brasil há alguns anos.  De repente, ele voltou com força total estampando a mídia. A vacina que sempre esteve disponível na rede pública passou a ser negligenciada pelas pessoas, ocasionando um declínio vacinal e uma expansão no número de casos da doença, bastante significativo, tudo fomentado pela credibilidade dada às Fake News.
O mesmo se pode falar da Febre Amarela, cujos casos mantêm as autoridades em permanente vigilância para evitar maiores surtos e epidemias; visto que, o agente transmissor, o mosquito do gênero Aedes spp, também dissemina a Dengue, a Chikungunya e a Zika, que são outras viroses de importante relevância médica.
De fato, não se discute que a vacina quando existente e comprovada sua eficácia é sempre a melhor prevenção. Mas, sua presença nas salas de aplicação sem a presença do paciente é inócua. A descoberta e produção de uma vacina é uma complexa teia de altíssimo custo. O tempo, o esforço dos pesquisadores e os investimentos disponibilizados representam cifras incalculáveis dentro de orçamentos, geralmente, limitados no campo da saúde pública, sem que se dê o devido valor.
Todos deveriam saber que o Programa Nacional de Imunização (PNI) brasileiro é referência mundial, pois o país é um dos poucos a disponibilizar de maneira universal um extenso e abrangente rol de imunobiológicos. Atualmente, encontram-se na rede pública de saúde 19 vacinas para mais de 20 doenças; de modo que, o custo da prevenção é minimizado para o cidadão que não precisa recorrer aos centros de vacinação particulares para ter acesso a essa cobertura básica.
No entanto, nem mesmo a gratuidade move as pessoas nesse cuidado pessoal. Observe que uma parcela significativa da população nem sabe por onde anda o seu cartão de vacina ou se já foi vacinado em algum momento da sua história de vida. As pessoas não compreendem que para a erradicação de uma doença possível de vacinação se depende, fundamentalmente, de que toda a população seja vacinada dentro das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O COVID-19 é uma doença nova e sem vacina disponível, mas a realidade da Pandemia nos exemplifica bem essa questão. Bastou que uma pessoa que tenha transitado por um país onde a doença estava acontecendo para dar início ao processo de transmissão local. Depois o que se sucedeu foi que, pelo fato de não haver vacina e as pessoas ainda não terem tido contato com aquele agente infeccioso para formulação de anticorpos contra a doença, o sistema de transmissão comunitária se estabeleceu de maneira intensa e progressiva.
Por sorte, o mundo científico se mantém incansável no trabalho de diagnóstico, prevenção, tratamento e eventual cura de doenças. No entanto, para que haja êxito nessa empreitada a humanidade precisa se unir para combater os vírus da desinformação e da mentira, cujo agente transmissor é as Fake News. Isso se chama responsabilidade e como escreveu José Saramago, “– Responsabilidade de quê? – A responsabilidade de ter olhos quando os outros perderam”.

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