No jogo da imprevisibilidade, o inimigo avança mais uma casa...


No jogo da imprevisibilidade, o inimigo avança mais uma casa...



Por Alessandra Leles Rocha




São muitas as reflexões que a atual Pandemia fomenta. Uma delas, importantíssima por sinal, relembra os inúmeros alertas da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o envelhecimento mundial. Em novembro de 2014, ambas as entidades já manifestavam que o mundo terá 2 bilhões de idosos em 2050; por isso, envelhecer bem deveria ser prioridade global 1.
Segundo explica o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), um dos aspectos que merece atenção nesse contexto, é justamente o fato de que o envelhecimento não ocorre de maneira linear para os gêneros. O acesso aos recursos e oportunidades entre homens e mulheres ao longo da vida é sempre distinto. De modo que tais diferenças implicam diretamente no planejamento e execução das políticas públicas; afinal, os idosos não são um grupo homogêneo para o qual bastam projetos genéricos.
Cada grupo, além do gênero, tem outras especificidades, tais como faixa etária, etnia, educação, renda e saúde. De modo que se torna extremamente importante considerar que o envelhecimento amplia as fronteiras de vulnerabilidade das pessoas, por meio da ascensão discriminatória que irá se manifestar por meio de obstáculos à acessibilidade ao trabalho, aos serviços de saúde, a renda básica e previdência social, a educação, a cultura e o lazer.
A questão elementar para assegurar esses direitos fundamentais está, portanto, nos sistemas de pensão e aposentadoria. Mas, infelizmente, eles ainda são um desafio para diversos países em desenvolvimento, nos quais uma grande parcela da força de trabalho encontra-se na informalidade. Dados de 2012, do UNFPA, por exemplo, apontavam que “em termos globais, apenas 1/3 dos países contam com planos de previdência social abrangentes, a maioria dos quais cobrem somente aqueles que se encontram em empregos formais, ou seja, menos da metade da população economicamente ativa mundial”2.  
O que já era, então, uma preocupação de governos, organismos e entidades internacionais antes da Pandemia, agora merece ainda mais atenção. Porque, apesar dos idosos terem se mostrado mais susceptíveis ao risco de contaminação e letalidade pelo COVID-19; o vírus não tem exercido uma preferência biológica, ou seja, qualquer pessoa, de qualquer idade, gênero ou etnia pode ser acometido pela doença.
Portanto, esse é o ponto. Se a população mundial está envelhecendo e demandando mais esforços da População Economicamente Ativa (PEA)3 para equilibrar o desenvolvimento do planeta e garantir a todos a manutenção de direitos, benefícios e dignidade, a variável da imprevisibilidade da contaminação coloca nas mãos de outro contingente populacional o risco iminente, a partir de agora.
Justamente porque a PEA é quem movimenta o país e dá sustentação tanto para a Saúde Pública quanto para a Economia, a manutenção e a permanência ativa dessas pessoas em tempos de Pandemia assinala, portanto, um potencial de risco gigantesco que se desdobra em médio e longo prazo também.
Considerando que, em 2019, a PEA brasileira era de aproximadamente 62%, o que inclui pessoas com carteira assinada, trabalhadores sem carteira ou autônomos, e desocupados, ao pensar que isolando os idosos e expondo o restante da população tudo estará resolvido, enganam-se completamente os gestores.
Pela impossibilidade atual de precisar quem está ou não infectado pelo COVID-19 dentro da PEA, todos os segmentos da economia tornam-se vulneráveis e propensos a interromper suas atividades em função da ausência de mão de obra. O Brasil há algumas semanas já convive com a realidade da transmissão comunitária ou sustentada do COVID-19; o que significa que o vírus circula entre pessoas que não estiveram em outros países.
Sendo assim, basta um funcionário infectado que não saiba da sua condição para potencializar novos casos no ambiente de trabalho, ocasionando um sistema de interrupções contínuas que desfavorecem totalmente ao equilíbrio do sistema produtivo e financeiro do país.
A verdade é que esse vírus não ofereceu opção. O isolamento social não é escolha. É necessidade; sobretudo, de evitar que os impactos sobre a economia sejam mais devastadores do que já se assinalam. José Saramago escreveu “Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”. E esse deve ser o nosso, o isolamento temporário até que a curva pandêmica sinalize outras medidas.
Especialmente no campo da Economia, quando os planejamentos falham e as convicções se tornam inflexíveis demais para sustentá-las, por conta de um inesperado, é sinal de que a mudança é imprescindível. Sendo assim, recordando Winston Churchill, “Não adianta dizer: ‘Estamos fazendo o melhor que podemos’. Temos que conseguir o que quer que seja necessário”. Porque mais letal que o vírus à sobrevivência pode se tornar a inépcia humana.

Comentários

Os textos mais lidos