A aula de hoje é...


 A aula de hoje é...



Por Alessandra Leles Rocha




Por mais que as notícias se distanciem do lado bom da vida, não creio que se abster delas ou isolar-se em confinamento alienante seja solução. Então, ainda que nos penetrem a alma rasgando e dilacerando as emoções, uma coisa bacana desse processo é a reflexão que sempre emerge dele. Foi assim que alcancei a percepção de algo muito maior sobre a Educação nacional.
Diante de seus inúmeros problemas e desafios, que merecem ser enfrentados com responsabilidade, organização e planejamento, não está nela própria o maior de todos os obstáculos; mas, na imensa desigualdade social que se reflete tantas vezes na necessidade da sobrevivência.
A impressão de que as taxas de evasão e repetência escolar decorrem especialmente do desinteresse do aluno pelos estudos, da discrepância do sistema educacional empregado com a realidade tecnológica ou da metodologia estabelecida tem lá o seu fundo de verdade; no entanto, não é tudo e nem, talvez, o principal.
Segundo dados de matrículas da Educação Básica em 2018 1, 39.460.618 dizem respeito à rede pública de ensino e 8.995.249 à rede privada, o que inclui Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação Profissional, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Classes Especiais e Escolas especializadas. Isso significa dizer que 81,44% dos alunos brasileiros estão rede pública enquanto 18,56% na rede privada.
Considerando que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima para o Brasil uma taxa de desemprego a se manter em patamares elevados pelos próximos anos 2, isso para a Educação representa um desafio importante para as famílias, no sentido de garantir aos filhos uma educação com menos problemas, como os frequentemente apresentados pelo ensino público.
Greves dos profissionais da Educação por melhores salários e plano de carreira; carência na infraestrutura das escolas, com ausência de laboratórios, quadras e equipamentos esportivos, biblioteca, sala de computação com internet; merenda inexistente ou muito ruim; quadro docente incompleto; demora na chegada e distribuição de livros didáticos;... São algumas das pautas recorrentes no âmbito dos prejuízos na educação pública nacional.
Portanto, as perspectivas de melhoria nesse sentido, também, não se alinham em um horizonte próximo nem do ponto de vista governamental e, nem tampouco, dos 11,6 milhões de desempregados existentes nesse momento. Ao contrário, a tendência é não só permanecer um alto número de matrículas na rede pública; mas, também, de ocorrer à incompletude do ciclo escolar, ou seja, muitos alunos serão obrigados a abandonar a escola antes de finalizar as etapas da Educação Básica para ter que contribuir na renda familiar.
O resultado disso se reflete em uma consolidação da carência de mão de obra qualificada no país 3. Não atingir as demandas impostas pelo mercado em termos de conhecimento técnico específico é só a ponta do iceberg. As deficiências oriundas do ensino escolar regular são o que mais assusta nesse campo. As avaliações do Ensino Básico nacional revelam, sem filtro, não somente a inexistência de uma alfabetização adequada; mas, sobretudo, de letramento (inclusive, digital).
Uma mão de obra nessas condições só encontrará ocupação na informalidade ou no subemprego, que não exigem qualificação. De modo que essa realidade se torna a perspectiva de futuro para muitas dessas crianças e jovens, que não encontram respaldo governamental nem para uma formação educacional básica e de qualidade e nem para fazer cumprir “os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil” (art.3º, Constituição Federal de 1988). Entre o sobreviver e superar os entraves para frequentar os bancos da escola, então, a maior parte da população brasileira acaba por optar pelo primeiro.
Sem contar que a dinâmica político-administrativa brasileira enfraquece quaisquer esperanças cidadãs. Segundo dados divulgados esse ano pela Organização Não Governamental “Transparência Internacional”, no ranking da percepção da corrupção o Brasil ocupa a 106ª posição em uma lista de 180 países avaliados 4. E isso, queira você perceber ou não, faz com que a desigualdade social aumente; afasta os investimentos, de modo que piora o ambiente de negócios; dificulta a criação de empregos; e, prejudica a qualidade dos serviços públicos, incluindo a Educação.
Veja, também, que são necessários mais de 5 meses ao ano para pagar impostos e temos o pior retorno disso para a população 5, porque eles não foram pensados para atender as demandas com qualidade, eficiência. A conta pesa para o cidadão, especialmente os menos favorecidos; mas, no final revela que nosso Produto interno Bruto (PIB) per capita é de país pobre.
Como explica a matéria de uma revista, em 2018 6, “Nos últimos dez anos, a economia brasileira criou 14,6 milhões de empregos formais, com carteira assinada. O problema é que o salário médio de contratação, segundo dados do Ministério do Trabalho, é de R$1.011. Renda de país pobre, que gera arrecadação de país pobre – e serviços de país pobre. Para piorar, os ricos também pagam pouco imposto”. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 2019, foram criados 644.079 empregos com carteira assinada e, em 2020, o salário mínimo é R$1.039,00. Portanto...
Chega a um ponto que as pessoas se tornam cada vez mais descrentes de que a Educação possa, de fato, transformar a realidade de suas vidas, devolvendo-lhes o que o papel constitucional lhes afirma como dignidade e direito.  A rudeza do cotidiano só lhes reafirma o custo imposto pelo estudo; por menor que seja, uma grande maioria não pode supri-lo.
Uniformes, calçados, mochilas, materiais escolares, livros didáticos, transporte,... isso em termos do básico, promove um desequilíbrio gigantesco no orçamento das famílias; sobretudo, quando elas têm mais de um filho na escola. Ainda que alguns gestores públicos se proponham a atender essas demandas essenciais, o mecanismo de assistência quase sempre não é o esperado ou satisfaz plenamente, como se sabe.
A verdade é que na realidade econômica do país tudo acontece “junto e misturado”; então, por mais sacrifícios que se façam há momentos em que a impossibilidade vence e a sobrevivência fala mais alto. Aí, o sobreviver consolida a inacessibilidade escolar como uma realidade perversa e cruel de um país que não parece se preocupar nem com o desenvolvimento, nem com o progresso e, muito menos, com o futuro de suas gerações.  

Comentários

Os textos mais lidos