Para pensar...


Não fique doente!



Por Alessandra Leles Rocha



Não fique doente! Esse é o aviso que gostaria de compartilhar com todo cidadão e cidadã brasileira. E não se trata de um sentimento pautado exclusivamente no descaso com a saúde pública nacional; mas, da infeliz descoberta de que tamanha mazela, também, atinge a saúde privada.
Muito além da burocracia interminável e desgastante para se fazer cumprir as cláusulas dos contratos em casos extremos de necessidade, o atendimento pelos Planos de Saúde tornou-se uma via crucis ora pela limitação de consultas que o profissional libera por mês, ora pela restrição do retorno de consulta dentro do prazo de 15 dias, ora pela mínima disponibilidade de horários de atendimento semanal, já que alguns profissionais chegam ao ponto de excluir a sexta-feira como dia de trabalho ou atender apenas em um período do dia,...
Prontos atendimentos, públicos e privados, tornaram-se verdadeiras sucursais do Inferno. Dizem que há parâmetros de análise e triagem dos pacientes para atendê-los. Mas, o que se vê a todo instante é um “fura filas” interminável e você vai ficando horas e horas a mercê da boa vontade de alguém que consiga enxergá-lo como ser humano. Nessa espera sem fim há os que se deitam no chão ou em cadeiras duras e desconfortáveis, pois não há macas disponíveis. Há os que pioram a luz dos olhos fraternos ao redor. Há os que morrem à míngua.
De repente esse cenário caótico e indigno se fez mais explícito com a epidemia de Dengue, Chikungunya e Zika que alastra o país. Porque antes, ainda tínhamos uma frágil impressão de que o horror beirava apenas as portas dos serviços públicos. Agora, sabemos que não.
Sabemos que a saúde é sim, mais uma fronteira, uma linha divisória entre os que podem e os que não podem pagar; embora, esse pagar seja relativo, na medida em que os Planos de Saúde custam ouro e pesam sobremaneira os orçamentos familiares, ao ponto de que muitos têm os deixado pelo caminho do desemprego.
Mas, o pagar aqui é pagar no ato da consulta, nas mãos da secretária, o valor estipulado pelo profissional. Afinal, ele é um profissional liberal e vende a sua “hora de trabalho” pelo preço que considera justo. Pena que o desemprego já chega a 13,2 milhões e as expectativas não são muito alvissareiras; então, talvez, o número de afortunados pelo atendimento decline e seu tempo se torne mais flexível.    
Cabe destacar, também, que não raras às vezes somos surpreendidos negativamente com uma qualidade de consulta inversamente proporcional ao custo. E aí, além do desapontamento natural tem-se o desgaste de recomeçar a procura por outro atendimento, o que certamente despenderá mais recurso. Um lamentável ciclo de desesperança e angústia; pois, quem está doente quer apenas uma solução para o problema, partindo de uma escuta atenciosa, de uma delicadeza no trato, de uma responsabilidade real.
E talvez isso explique, pelo menos em parte, porque alguns comportamentos ruins se cronificaram ao longo do tempo. Aquela história da automedicação, que hoje se corre atrás para combater o uso indiscriminado de remédios, especialmente os antibióticos, mas tem suas raízes na impossibilidade econômica de obter um atendimento digno e satisfatório. Ou a devoção de alguns pelas terapias alternativas em detrimento da medicina convencional, em face da decepção decorrente de alguns atendimentos. Ou a desconfiança em relação aos serviços de saúde, que gera uma credibilidade absurda às Fake News a respeito das vacinas. ...
É preciso encontrar um equilíbrio nessa inter-relação! Enquanto as ciências médicas se desenvolvem a passos largos, as doenças parecem se multiplicar em represália e a população, em franco envelhecimento, necessitando cada vez mais de atendimento e mais distante de obter o suporte adequado.  
De certo que, por mais incrível que possa parecer, muitas das doenças que geram gargalos nos serviços de saúde sejam aquelas que já deveriam estar erradicadas, ou pelo menos controladas; mas, além do descuido das políticas públicas esbarra-se na dificuldade de diagnóstico.
Voltemos os olhos, novamente, para a epidemia de Dengue, Chikungunya e Zika. Aqui e ali o desencontro diagnóstico, também, se prolifera. Embora estejamos em um país tropical, a base de conhecimento diagnóstico das chamadas Doenças Tropicais – Malária, Doença de Chagas, Febre Amarela, Leishmaniose, Dengue (e outras) - inspira fragilidade e, para a maioria delas não há vacina, apenas tratamento e prevenção. Não é à toa que muitos pacientes vão e voltam dos prontos atendimentos, ou mesmo hospitais, sem um diagnóstico preciso e têm seus quadros agravados, às vezes, de maneira letal.
Ora, se a Constituição Federal de 1988, determina em seu artigo 5º, o direito à vida, e esse se encontra negligenciado e/ou ameaçado pela inconsistência dos serviços prestados, tanto na esfera pública quanto privada, como é de conhecimento público; então, medidas urgentes precisam ser tomadas. Aliás, as diretrizes para essa reflexão e ação já são previstas constitucionalmente – Título VIII, Capítulo II, Seção II, da Carta Magna.
No entanto, a Justiça é uma mão estendida, mas não resolve tudo sozinha. Veja, por exemplo, que não basta recorrer a judicialização da saúde, como pensam alguns, para acabar com uma demanda que cresce vertiginosamente no país.
É importante fazer valer o seu direito; mas, é preciso a clareza de que a ação do judiciário depende da resposta dos serviços de saúde. E é nesse ponto que a Justiça esbarra com a própria burocracia e deficiência logístico-econômica da Saúde; uma questão que se arrasta por décadas.
Portanto, tudo o que precisamos é consciência, bom senso, para que a população não experimente um colapso total nos serviços de saúde, como se acena no horizonte. Isso seria a fragmentação completa dos direitos e garantias fundamentais previstos em Lei e uma trivialização obscena da indignidade humana. De certo modo, uma materialização das palavras de José Saramago, “O costume de cair endurece o corpo, ter chegado ao chão, só por si, já é um alívio, daqui não passarei”.

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