Crônica do fim de semana...
SER...
NÃO SER... O QUE A SUA IDENTIDADE LHE DIZ?
Por
Alessandra Leles Rocha
Dia após dia
percebo nitidamente um movimento social que vai esvaziando a identidade humana
e transformando tudo e todos em uma massa uniforme. Não fossem alguns pequenos
detalhes, tais como o nome e a carteira de identidade, por exemplo, para uma
breve distinção, a massificação não estaria longe de existir.
Engraçado dizer
tudo isso, pois imediatamente me lembro de como a sociedade já se manifestou em
relação a algumas sociedades, justamente por apontá-las como sociedades
massificadas. A China de Mao Tse-tung com seus uniformes caquis. A burca das
mulheres muçulmanas, especialmente as afegãs. Enfim... A questão é que parece
ser do ser humano o hábito de estabelecer uma identidade coletiva em detrimento
de uma identidade individual, própria. Mas, por quê?
Não é difícil perceber
a partir da vestimenta e/ou do comportamento social uma intensa construção de
identidades, cuja transitoriedade beira o assustador. Impulsionados pela crença
subjetiva que envolve o pertencimento, os indivíduos passam a vida em busca de
se sentirem unidos a um determinado lugar, ou pessoa, ou valor e assim, serem
aceitos, tornarem-se pertencentes. Entre os jovens, por exemplo, fala-se muito
das “tribos”.
No entanto, o
pertencimento não é o problema em si. O que merece uma pausa para reflexão é entender
porque estamos tão susceptíveis a abrir mão da nossa identidade pessoal em
favor das identidades que o mundo nos acena.
Afinal de contas,
seja a nossa ou qualquer outra, a identidade é um componente inacabado, em
franca transformação; portanto, não se trata de um ideal perfeito, algo que se
ajusta em nós e pronto. Lamento, mas cada indivíduo é o que é graças às
relações subjetivas que estabelece com o mundo seja pela linguagem, pelas experiências
sociais, de modo que é dessa forma que ele administra as transformações
conscientes e inconscientes do seu ser.
Aí, saímos às ruas
e nos deparamos com uma legião de diferentes em um processo de uniformização
social e, até mesmo, mental. No mundo das “tendências” o exercício natural da própria
identidade pode ser considerado um ato de rebeldia extrema. Afinal, todos parecem
seguir um manual, um protocolo, uma regra que não sabem de onde veio e muito
menos onde vai dar; simplesmente, obedecem para não destoar, para pertencer. De
repente, não se dão conta (ou não querem mesmo admitir) que tudo isso não passa
de um mecanismo de controle, que está dilacerando gradual e incisivamente a sua
liberdade de ser, de existir no mundo.
Diante desse
automatismo (in) voluntário o ser humano perde o seu protagonismo existencial e
abafa as suas demandas, as suas carências, as suas frustrações,... em uma
absurda tentativa de ser alguém nesse contexto pré-concebido, idealizado. As pessoas
estão sim, desaprendendo a dizer não e a ouvir o não, porque segundo seu
entendimento dessa realidade só há espaço para o sim, para o “eu posso”, “eu
quero”, “eu compro”, “eu faço”...
Se por um lado esse
controle promovido pela massificação mitiga as tensões, a partir da
uniformização do pensamento, do comportamento, do consumo, por outro ele
implode a sociedade. Ora, quando essa padronização não enlouquece, ela mata. Um
indivíduo que perdeu a consciência em relação a quem ele é, a qual lugar ele
ocupa no espaço, por conta dessa dinâmica frenética dentro de uma identidade
que não lhe pertence, ele sucumbe.
Fala-se muito sobre
a perda da autoestima, mas ela significa justamente esse esfacelamento da
identidade. Se eu não sei quem sou, o que gosto, o que quero, o que me faz
feliz ou infeliz,... porque vivo uma busca constante por uma identidade que não
é a minha, como é possível ser capaz de me valorizar, me respeitar, me amar? O individuo passa a vagar pelo mundo sem um
porto seguro, um lugar em que ele se sinta pertencente.
Portanto, olhar-se
no espelho há muito deixou de ser um gesto banal. Olhar no espelho significa reconhecer-se
e esse “se reconhecer” é parte da construção identitária; saber que eu sou eu e
você é você, que não somos o mesmo. Isso se traduz em qualidade psíquica, ou
seja, em saúde mental. Como bem
expressou Jean-Paul Sartre, “o importante
não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros
fizeram de nós”. Pensar, refletir sobre essa questão é importantíssimo se
quisermos uma sociedade mais consciente sobre si, sobre a vida, sobre o que é
relevante para sua própria identidade.