Entre perspectivas e realidades

Entre perspectivas e realidades

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É lamentável que se faça pouco da história brasileira, quando se analisa a realidade atual. Os absurdos mais estarrecedores da nossa contemporaneidade não são obra do acaso. Há uma lógica operando sobre os acontecimentos, que não deixa a menor dúvida a respeito.

Contrariando as expectativas dos mais crédulos de que a eleição de 2022 conseguiu formular uma frente ampla, os fatos falam por si. Há pouco mais de 500 anos, o Brasil é controlado pelas forças direitistas. Gerações e gerações das elites nacionais garantem a manutenção não só de suas regalias e privilégios históricos, bem como, da ocupação dos poderes.

A ascensão da esquerda brasileira, em 2002, foi um golpe certeiro na vaidade direitista. Eles jamais contaram com essa possibilidade. Era tanta certeza, tanta convicção, de que detinham o controle do país, e acabaram surpreendidos pelo resultado das urnas. Ali começa a ser gestado o sentimento de ódio, de revanchismo, por parte da direita e seus matizes, mais ou menos radicais.

Apesar dos pesares, os direitistas permaneciam no topo da pirâmide social, o que significa, do ponto de vista socioeconômico, em uma posição favorável de influência e de condições materiais para manipular a dinâmica dos acontecimentos, no sentido de retomada da sua posição mandatária no país.

Assim, fizeram. Considerando que, do ponto de vista político-partidário nacional, a presença majoritária é masculina, não é difícil entender o nível de resistência existente em relação ao protagonismo feminino nesse setor. Então, o primeiro movimento se deu na derrubada do governo liderado por uma mulher. A organização das forças opositoras trabalhou no sentido de desestabilizar e tensionar o governo, até que lhe fosse imputado o impeachment.

Não satisfeitos, eles partiram para o ataque contra a representação de esquerda que poderia ser um entrave aos seus interesses na eleição seguinte, em 2018. Mais uma vez, eles contaram com um plano ardilosamente arquitetado, que parecia perfeito, até que as pontas soltas, embebidas em doses generosas de arrogância e de vaidade, começaram a aparecer e revelar os segredos mais inconfessáveis da República.

Desde então, os direitistas não se conformam com a falência do seu plano. E o que deriva disso faz parte de todo o acervo registrado pelos veículos de comunicação e de informação, tradicionais e alternativos, nacionais e estrangeiros. Pode-se dizer que eles rasgaram as fantasias e a beligerância, em estado bruto, se apresentou nas praças, nas esquinas, nas ruas, por todos os lugares do país.

E não foi só isso. Entre 2019 e 2022, o desmantelamento das instituições nacionais representou uma ação de cautela, se houvesse a menor intenção da esquerda retornar ao poder. Ora, um país desorganizado, desestruturado, comprometido economicamente, representaria um obstáculo concreto a uma plataforma de governo progressista alinhada ao desenvolvimento social e econômico.

Acontece que, tendo sido surpreendidos, no contexto do recorte temporal entre 2002 e 2016, os direitistas decidiram sistematizar as suas estratégias antiesquerda, valendo-se da facilidade de capilaridade e persuasão das ferramentas digitais. O seu discurso de ódio, a sua manipulação social, o seu enviesamento discursivo através de Fake News, mobilizou e arregimentou sua bolha de apoiadores e simpatizantes, promovendo uma fratura no equilíbrio social.

Diante desse cenário, fica evidente que a ideia da frente ampla não passou de mais um artifício da direita e seus matizes, mais ou menos radicais. Ela ascendeu ao poder nos bastidores da legalidade democrática e não tardou a mostrar a sua face e suas pretensões no Executivo e no Legislativo. O que causa estranheza, para não dizer perplexidade, é a ausência de contraposição a tudo isso, por parte do governo eleito com 50,83% dos votos válidos, em 2022.

Portanto, a frente ampla nunca existiu. Os reveses que o atual governo vêm enfrentando desde o início desse mandato falam por si. Uma frente ampla, de fato e de direito, se colocaria disposta e ativa no distensionamento com o Congresso Nacional, cuja maioria dos eleitos é oposição ao governo. Só que não. Nem os cargos. Nem as verbas. Nem os espaços institucionais. Nada promove o equilíbrio e a dialogia entre oposição e situação, porque não há interesse da direita e seus matizes, mais ou menos radicais, em uma eventual pacificação.

Desde quando, na história desse país, elite e proletariado estiveram do mesmo lado, defendendo as mesmas causas, a mesma visão de país? Só nas Diretas Já 1 e, mesmo assim, a emenda constitucional Dante de Oliveira foi derrotada por forças direitistas, da época. A defesa da Democracia, da Cidadania, do Estado de Direito, não se consolidou na eleição de 2022.

Dia após dia, à revelia do desenvolvimento e do progresso, o Brasil caminha a passos largos para o retrocesso, emoldurado por uma perspectiva Teocrática fundamentalista, autoritária e conservadora 2. Infelizmente, depois da avalanche de atrasos, os quais passou o país, desde 2017, o atual governo não está materializando a reconstrução progressista esperada por seus eleitores. A realidade está muito aquém das expectativas, como se remasse, literalmente, a favor dos interesses da direita. O que não tarda lhe render, nas eleições, o rótulo da decepção.