Não adianta. De um jeito ou de outro...
Não
adianta. De um jeito ou de outro...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não adianta torcer o
nariz. Não adianta irritação. Não adianta proferir desaforos. Nada disso fará
com que a vida interrompa a sua dinâmica. Enquanto o COVID-19 avança, uma nova
linhagem do vírus da Zika entra em circulação no país e uma nuvem de gafanhotos
que está na Argentina ameaça alcançar o sul brasileiro; sem contar, todos os
outros desafios do cotidiano que insistem em prosperar.
À revelia da vontade
geral, a realidade não está boa para ninguém. Daí a importância de uma
manifestação empática mais consistente e verdadeira; pois, o panorama de
dificuldade não parece que será superado da noite para o dia. As estatísticas dão
conta de números pouco alentadores e na prática, o que se vê daqui e dali é uma
desconstrução, um esfacelamento dos padrões frente às inúmeras pressões
sociais.
Lamento; mas, as
vontades individuais estão perdendo seu espaço. Não há como enfrentar as
demandas coletivas que estão emergindo movidas pelas conjunturas de uma ordem
jamais imaginada. Cada um precisa se enquadrar dentro desse novo contexto e,
não mais, o contrário; isso se houver alguma pretensão de sobrevivência e dignidade.
Ontem, na TV, alguém levantou uma questão muito interessante. Haverá uma perda significativa
de eleitores para esse pleito de 2020, por conta dos óbitos computados pelo COVID-19.
Portanto, a expressão das perdas humanas vai sempre muito além daquilo que se
pode imaginar. Elas não se restringem a uma interferência privada; mas, alcançam
espaços da vida pública bastante importantes e significativos para serem
negligenciados.
A Pandemia, então,
só visibilizou a vida, no sentido de mostrar todos os desafios e necessidades
que ela demanda para o cumprimento da sua empreitada. Ela provou como é fácil
perder pessoas e solapar a estrutura social de um país em questão de dias. O
que muitos ainda não conseguiram entender é o fato de que esse processo estava
em curso muito além do COVID-19. Concomitantemente ao surgimento do novo vírus já
havia elementos desestruturantes e cronificados socialmente, os quais só
fizeram potencializar os impactos desastrosos.
Como dizem por aí, o
vírus foi a gota d’água em um balde cheio há tempos. Algo que só foi possível porque há uma carência
nata de respeito e consciência coletiva na sociedade brasileira. Como se
houvesse uma campanha velada em favor da banalização das mazelas, a fim de
manter regalias e privilégios de alguns por meio de uma postergação recorrente das
transformações que pudessem promover a igualdade e a equidade entre todos. As humilhações e os "cativeiros sociais", de certo modo, permanecem colaborando para que
esse “equilíbrio” seja naturalizado e não contestado.
Mas, eis que as
conjunturas decidiram abalar as estruturas e colocar ordem no caos. As vendas e
travas nos olhos foram abruptamente arrancadas. E por mais que ainda tentem
tumultuar e confundir as ações que precisam ser desenvolvidas, de um jeito ou
de outro a vida segue o curso que tem que seguir. As necessidades chegaram a um
limite tal que já conseguem urgir com mais pujança do que os silêncios e as
omissões conseguem disfarçar ou resistir.
É fundamental,
portanto, compreender que não há simplesmente doenças no mundo; mas, que o
mundo em si tem estado doente. Física, moral e eticamente. De modo que, talvez,
bem antes do que se imagina, as pessoas possam se dar conta de que “quem não sabe é um ignorante, mas quem sabe
e não diz nada é um criminoso”; a fim de consolidarem uma nova atitude em
termos de que “não basta ter sido bom
quando se deixa o mundo; é preciso deixar um mundo melhor” (Bertolt
Brecht).