O mundo ficou menor
O
mundo ficou menor
Por
Alessandra Leles Rocha
O mundo ficou menor. A pandemia
do COVID-19 redimensionou a geografia do planeta e deu uma visibilidade incrível
ao que, até então, escondia-se sob as máscaras e os tapetes.
Toda a opulência. Toda pompa
e circunstância das Grandes Nações. Nada impediu que um diminuto vírus colocasse
príncipes e plebeus, burgueses e proletários, nas mesmas condições de surpresa
e inquietude diante da vida e da morte.
A previdência de uns e a imprevidência
de outros tantos, no frigir dos ovos, significou a mesma coisa. O despreparo é
uma realidade comum. Foi o que se descobriu olhando nos olhos de cada um. Porque
ninguém, absolutamente ninguém, poderia antecipar o que estava por vir.
E diante de um mal
absolutamente maior, tudo ficou pequeno. A lista das prioridades se inverteu em
nome da vida. Afinal de contas, tudo depende de seres que estejam vivos. Vivos para
produzir. Para vender. Para comprar. Para sonhar. Para cuidar. Para amar. Para ser.
Eu sei que não é de hoje que
a ideia de escolher quem vive e quem morre corre solta por aí. Muitos já
morreram por falta de um leito de UTI. De um medicamento. De um atendimento. De
um prato de comida. De uma medida de segurança. ... Mas, parece que relativizar
a vida está despertando um desconforto, um certo constrangimento.
Sem contar que, de repente,
a morte não pode mais ser sentida e manifesta no seu rito natural. O adeus
ficou preso na garganta. As flores não saíram dos jardins. O pesar não pode ser
compartilhado. O abraço não pode conter a dor e as lágrimas. As palavras da
despedida foram silenciadas pelo tempo. A morte em tempos do COVID-19 é de
extrema solidão tanto para quem vai quanto para os que ficam.
Apesar de tudo, essa solidão
ensina. Antes do inimigo invisível, quando podíamos estar e conviver uns com os
outros, andávamos absortos pelos encantos e modismos da tecnologia. Nossas
expressões humanas, nossos sentimentos, nossas palavras, nossos pensamentos,...
Eram manifestos em telas, para serem acessados ao alcance de um toque.
Havia tanta certeza de que
esse era “o jeito certo de se conviver”, que ninguém poderia imaginar que algum
dia haveria uma privação do mundo real dessa magnitude. Agora se desesperam
pela liberdade de estar, de conviver, de dar vazão às emoções. Aos beijos. Aos abraços.
Aos apertos de mãos. A convivência em moldes “antigos”.
Do mesmo modo que tudo
parecia no seu devido lugar. Países ricos. Países pobres. Gente faminta na África
subsaariana. Gente viajando para a Disney. Gente comprando na “25 de março”. Gente
morando no Leblon. Gente nas filas do SUS. Gente investindo na Bolsa de
Valores. Gente sacando o FGTS. Enfim... Como se não houvesse nada de “podre no
Reino da Dinamarca” 1. Entretanto,
há. Na verdade, sempre houve na medida em que o mundo foi marcado a ferro pela
desigualdade.
Uma desigualdade tão atroz
que vem transformando coisas e pessoas em mercadoria sem medir as consequências.
Eis, então, que a Pandemia lançou seu holofote e desconstruiu os estereótipos. Na geografia do mundo real há desafortunados e
privilegiados, ricos e pobres, honestos e desonestos, oportunistas e
trabalhadores... em todos os cantos. Por isso, todos estão aflitos, desolados. Suas
verdadeiras identidades foram reveladas, suas imagens ressignificadas.
A ideia de piores e melhores
parece, finalmente, sucumbir, graças à presença de um vírus. Não há mais espaço
para saber quem é A, B ou C, na fila do pão. O COVID-19 fez com que a vida
humana entrasse, a partir de agora, em um regime de reset compulsório. Entre escombros físicos, morais e materiais oriundos
dessa que já é uma crise global sem precedentes, se fará a reconstrução de uma
nova ordem. A qual partirá, portanto, da necessidade primaz da sobrevivência. Uma
sobrevivência globalizada. Empática. Altruísta. Fraterna. Assim, “O homem que não souber sobreviver aos
maus tempos, não vai ver os bons” (textos judaicos).
1 “Há algo de podre no reino da Dinamarca”;
foi pronunciado pelo personagem Marcelo no ato 1, cena4, da peça Hamlet, de
William Shakespeare.