Quarta-feira em cinzas




 Quarta-feira em cinzas



Por Alessandra Leles Rocha



Os inflamados recentes discursos dos profetas da República incineraram de vez o bom senso 1. Exibindo com altivez o desconhecimento em relação ao próprio texto da lei maior 2 do país, deixam claro porque vem impingindo com fúria a desqualificação para com as palavras.  Ora são aberrações com a Ortografia. Ora a vulgarização e a tendenciosidade leviana com o léxico, como bandeira da Pragmática. Enfim... tentam fazer cinzas das palavras. Mas, a comunicação vai além e contra fatos não há argumentos que resistam.
Quem não se lembra, em 2016, o escândalo envolvendo a ex-candidata democrata à presidência do EUA, Hillary Clinton, sobre e-mails de governo encaminhados via conta pessoal. O infeliz descuido lhe custou à derrota nas eleições daquele ano 3. Assuntos de governo não são para ser tratados fora de parâmetros e locais apropriados.
A banalização do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), incluindo as redes sociais, leva a uma distorção irremediável tanto da imagem quanto do rito das autoridades que delas se valem. Trata-se praticamente de um processo de autodesqualificação, no qual se diminui e desrespeita a importância constitucional e institucional da função a qual se foi investido.     
Assim, ao fazer parte de “grupos”, nas redes sociais, o Presidente da República contraria a sua condição temporária de Pessoa Jurídica, Governo, para ser Pessoa Física, como quaisquer outros cidadãos. Além disso, o teor das suas mensagens, conversas ou meras replicações, precisa ser mais bem filtrado porque assuntos direta e/ou indiretamente relacionados ao Governo não podem ser tratados de maneira informal e, nem tampouco, com viés pessoal.  
Pena que, enquanto ele e sua claque insana praticam a “verborragia nossa de cada dia”, o coronavírus (COVID-19) chegou a solo brasileiro, para acinzentar ainda mais a quarta-feira. O diminuto vírus parece ter feito cinza à convocação dos arautos direitistas, na medida em que por onde o vírus já andou é sabido que aglomerações devem ser evitadas. Apesar de um único caso confirmado até agora, será que alguém vai querer se arriscar?!  
Se o COVID-19 é muito ou pouco letal, se fará muitas, poucas ou nenhuma vítima, de repente isso ficou em segundo plano. Ele já nos contagia como freio e contrapeso aos desvarios. Sim. Talvez, para nossa sanidade mental, ele seja a cura da falta de objetividade, de responsabilidade, de compromisso com as verdadeiras demandas prioritárias da República 4. Ele nos faça recobrar o papel que cada um tem quando o assunto é a ordem e o progresso nacional.
A sua presença aqui nos obriga a repensar tudo diante dos impactos que ele promove por onde passa. A Pandemia viral já afeta a economia, o comércio, a indústria,... ao redor do planeta. E por aqui não será diferente. O que precisamos fazer, portanto, é não competir com esse vírus, barrando o nosso próprio comportamento social que é altamente virulento.
Se não entendeu, isso significa que os vírus precisam dos seres vivos para se reproduzir e sobreviver, por isso, eles às vezes acabam matando o seu hospedeiro. Nós, seres humanos, fazemos o mesmo com o planeta e nossos pares. Seja por meio da exaustão de seus recursos e áreas habitáveis ou no fomento da desigualdade que favorece a miséria e a fome, sobrevivemos dentro do mais pleno e intenso movimento de desequilíbrio.
Sendo assim, penso que já temos urgências demais para nos darmos ao direito de não agir com consciência. Quem sabe lendo a Constituição Federal de 1988 o bom senso ressurja das cinzas?! Quem sabe não descobrimos com essa leitura o nosso verdadeiro papel cidadão?! Pensemos sobre isso.








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