Crônica de Domingo


Presentes




Por Alessandra Leles Rocha



Não é porque o mundo pós-moderno espalha aos quatro cantos que as relações humanas estão esgarçadas, frágeis, volúveis, que o ser humano precisa levar isso em consideração, quase como força de lei.
Em meio às evoluções e revoluções da vida, muita coisa importante não cabe no rol das intempestividades. Tudo o que gira na órbita da subjetividade humana merece cuidado e apreço; não podem ser atropelados pelos modismos, comodismos, achismos e convenções de botequim que anda se disseminando por aí.
Afinal, trata-se de questões elaboradas e sustentadas no âmbito das escolhas, das vontades, das convicções pessoais; enfim, de um gigantesco empenho em querer estar. ESTAR, com letras garrafais, o que significa uma atemporalidade plena, capaz de impedir quaisquer ranhuras, quaisquer desencontros, quaisquer mudanças nos rumos dos ventos.
E creio não estar equivocada a respeito. Tive uma prova cabal recente, mais precisamente, ontem. Apesar de a geografia ser um pretexto razoável para muitos, no que tange encontrar uma boa justificativa para ausentar-se, no meu caso ela mais uma vez se mostrou ineficaz.
Minhas melhores amigas, distantes de mim por quilômetros, jamais se permitiram ausentar da minha vida em tempos de sol ou de chuva.  Em meio às particularidades e exigências cotidianas de suas vidas há sempre um espaço reservado para a nossa amizade. Às vezes sinto falta dos nossos encontros; mas, jamais da sua presença. Estamos juntas nessa vida para o que der e vier.
Então, ontem, no meu aniversário, lá estavam duas mensagens de arrebatar a alma. Cada qual a sua maneira me trouxe um sopro de alegria diferente para compartilhar comigo essa data tão significativa. Presentes únicos, exclusivos, atemporais, em forma de palavras açucaradas pela doçura de uma amizade que se fia como uma raiz robusta de árvore frondosa.
Expressões isentas de quaisquer cobranças, ou protocolos sociais, ou coisa que o valha; apenas, expressões de afeto, de carinho, de atenção genuínos.  Algo tão emocionante que li e reli muitas vezes, como se quisesse transformar cada palavra em abraços, sorrisos e presença materializada diante dos olhos; embora, estivessem presentes na memória e em cada batida do coração.
Afinal de contas, são trinta anos de amizade, aproximadamente. Temos assistido juntas as metamorfoses do mundo ao mesmo tempo em que as nossas. E isso nos traz cada vez mais sintonia para ajustarmos as engrenagens da nossa convivência e mantermos o prazer inenarrável que essa amizade nos proporciona. É, porque amizade assim edifica, aprimora, agrega o que há de melhor, ao mesmo tempo em que aceita e respeita a essência de cada um.
Por isso, quando olho para o mundo e percebo tanta tristeza, tanta desilusão, tanto sofrimento pairando sob uma atmosfera de solidão, menos compreendo as razões para sustentar o discurso em torno da “liquefação das relações”.  Enquanto uns e outros pensam que o fundamental é a quantidade, a qualidade dos laços que fiamos entre nós é o que garante a nossa sanidade física e mental.
Não há como encontrar paz e equilíbrio se não houver relações que se respeitam. Relações que se querem bem. Relações saudáveis. Relações fraternas. ...é disso que o mundo precisa. São essas relações que nos ensinam a professar o SER ao invés do TER, tornando-nos mais reais, mais humanos, com muito mais capacidade de nos encantarmos pelo o que existe na alma do que pela casca. Como diz a escritora Martha Medeiros, “Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho” 1.
Por isso, as pessoas não passam indiferentes pela minha vida. Pode ser que algumas não se tornem amigas, por razões variadas e alheias à minha vontade; mas, não serão nunca esquecidas. Cada um que chega tem seu espaço intocado, dentro do tempo em que permanecem, porque de alguma forma fazem parte da minha história. E o que é a história da vida senão um mosaico construído por diversas partes?! Um pedaço que falte, seja ele qual for, altera o final.


1 A Fita métrica do amor. Martha Medeiros.

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