A trágica história da imprevidente capitalização da vida


A trágica história da imprevidente capitalização da vida


Por Alessandra Leles Rocha



4 anos da tragédia de Mariana. 10 meses da tragédia de Brumadinho. 3 meses das manchas de óleo se disseminando pelo litoral brasileiro. Incêndios e desmatamento na Amazônia e outros biomas nacionais... Esse é apenas um recorte do panorama factual no que diz respeito ao Meio Ambiente e a população brasileira; sem colocar sobre a balança, todos os terríveis desdobramentos que cada impacto desses promoverá em curto, em médio e em longo prazo.
Sabe, não é a pressa cotidiana que traz o esquecimento em torno desses assuntos. A verdade é que há uma dose de maldade e irresponsabilidade que arde em fogo alto, quando se trata das questões ambientais, a qual trabalha em ofuscar a realidade e desviar o foco para outros assuntos.
Mas, lamento informar aos que pensam assim, que se quiserem desfrutar nessa vida as riquezas que, porventura, tenham conseguido amealhar, será necessário fazer as pazes depressa com o Meio Ambiente.  Até onde eu sei, ninguém vive sem ar, sem água, sem alimento, sem solo, em condições adequadas à sobrevivência. E é, justamente nesse ponto, que residem todos os fatos mencionados acima.
2019 parece ser o ano declarado à capitalização da vida. Sim, não vi até agora nenhuma proposta que não tivesse como pano de fundo o capital. Capital humano. Capital ambiental. Capital político. Nunca o dinheiro esteve tão à frente da vida e seus vieses de respeito, dignidade, solidariedade e afins; como se os valores humanos tivessem perdido a importância e se tornado um detalhe menor.
Essa reflexão me faz lembrar a novela Renascer (1993), de Benedito Ruy Barbosa, quando o catador de caranguejos Tião Galinha, antes de se enforcar, deixa um bilhete dizendo, “Quem trabalha e mata a fome não come o pão de ninguém. Quem ganha mais do que come sempre ganha o pão de alguém”. E naquela época nem se poderia imaginar que tantos catadores de caranguejo estariam agora sem o pão, por conta da ambição, da omissão,... de alguém.
É importante que se diga, sem alarmismos ou achismos, que negligenciar as discussões em torno da preservação, proteção e educação ambiental é uma sentença de morte coletiva. Nessa semana mesmo, um estudo inédito da universidade canadense McGill publicado no periódico Epidemiology, demonstrou “haver uma relação entre a poluição do ar e o aparecimento de tumores cerebrais malignos” 1.
Então, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) finalmente revela que o desmatamento da Amazônia subiu 93% esse ano, ou quando o governo Federal manifesta publicamente a intenção de liberar a venda “in natura” de madeira da Amazônia, ou quando o impacto do óleo alcança os recifes de corais e as áreas de mangues, que funcionam como grandes filtros da água do mar para manutenção do equilíbrio ecossistêmico marinho, não se pode dissociar a notícia do prejuízo ambiental da saúde pública.
Afinal, mais dia menos dia, os prejuízos serão sentidos de diversas maneiras pela população humana. Ah, e isso significa lembrar que a saúde pública no Brasil, não anda lá nenhuma maravilha como é de conhecimento geral. Quando explodiu a epidemia de Zika, por exemplo, milhares de gestantes não encontraram apoio adequado, logística e financeiramente, para o tratamento dos seus bebês que nasceram com sequelas da doença. Aliás, por falar em Zika, as doenças transmitidas pelo mosquito do gênero Aedes sp, deixam claro o risco do descontrole ambiental em relação à proliferação desse tipo de vetor no país.
O que se explica pelo fato de que uma vez rompido o equilíbrio ambiental, a regeneração (se possível) pode levar décadas para sinalizar positivamente. Não é à toa que espécies da fauna e da flora já não existem mais. Não é à toa, também, que doenças vêm emergindo em razão do desequilíbrio nas cadeias alimentares. Habitantes de casas de palha e barro, na zona rural, quem diria que os “barbeiros” transmissores da Doença de Chagas seriam vistos com facilidade em casas de alvenaria da zona urbana de municípios endêmicos. E esse é um exemplo entre milhões na realidade da degradação do Meio Ambiente.
Por isso, ao contrário de esperar pelas tragédias, a sociedade deveria cobrar pela prevenção em todos os níveis. Na conjuntura atual, a preservação ambiental racional e sustentável é questão prioritária. Prevenir não é somente atenuar os impactos; muitas vezes, a prevenção elimina a possibilidade de um evento mortal. Mas é preciso vontade, querer realizar, querer resolver. A postergação, talvez, seja a maior inimiga da população.
Se o volume de chuvas se altera, se o calor amplifica a sua intensidade, se determinada praga afeta a plantação, se o degelo das montanhas e das calotas polares aumenta o nível dos oceanos... é o Meio Ambiente respondendo aos ataques que sofre do ser humano. Portanto, o bom e o ruim dessa história dependem de como a humanidade se comporta a favor ou contra si mesma. Discursos vitimistas já não causam repercussão. O momento é de ação, de responsabilidade, só pode haver pretensão quanto ao amanhã se algo de efetivo for colocado em prática no agora. Caso contrário, antes do que se imaginam, outras Marianas, Brumadinhos, óleos flutuantes, incêndios e desmatamentos em biomas contarão o último ato da trágica história da imprevidente capitalização da vida.

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