#DiaMundialdosRefugiados


EM NOME DA DIGNIDADE E DA LIBERDADE FRATERNAS


Por Alessandra Leles Rocha



Por meio da resolução 55/76, de 4 de Dezembro de 2000, a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu sobre a Celebração do Dia Mundial dos Refugiados, no dia 20 de junho. Portanto, hoje é dia de refletirmos a respeito. É dia de pensar sobre o direito de cada indivíduo em ir e vir.
Parece fácil julgar, quando estamos sob o amparo da nossa zona de conforto. A questão é saber se essa tal “zona de conforto” realmente existe, porque antes de olharmos para os inúmeros migrantes que cruzam o globo terrestre em busca da sua garantia de ser livre e igual em dignidade e em direitos 1, pensemos sobre o que aconteceu em Mariana e Brumadinho.
Nosso despreparo em olhar para a vida com olhos de enxergar, certamente não nos deixou perceber que bem debaixo deles um grupo de brasileiros tornava-se refugiado dentro do próprio território. Afinal de contas, os sobreviventes dessas duas tragédias anunciadas estão diante de uma grave violação de direitos humanos; na medida em que, de uma hora para outra, tiveram suas vidas radicalmente transformadas pela má conduta de empresas mineradoras. Essas pessoas perderam entes queridos, documentos, memórias, imóveis, bens de consumo, trabalho e o mais importante, a dignidade.
E esse exemplo é tão importante, porque nos traz a luz e a consciência sobre a efemeridade da vida. Infelizmente, nós não somos apenas estamos e esse “estar”, ainda, pode ser transformado à revelia do nosso querer, a qualquer momento. Basta uma catástrofe climática, ou uma guerra, ou uma epidemia, ou um acidente nuclear, enfim...
O ato de refúgio não é algo planejado. Trata-se da voz, do instinto de sobrevivência falando mais alto. Além da perda material inerente nesses processos, às perdas imateriais, estas sim, são incalculáveis. Não há como mensurar as questões identitárias e culturais, dada à especificidade e complexidade de cada indivíduo. Cada um é o registro de milhares de histórias, de acontecimentos, de aprendizados, de relações humanas.
Ser um refugiado não é ser um viajante qualquer, que pega o passaporte, o dinheiro e as bagagens e sai pelo mundo em busca de novidades, de conhecimentos diversos, de entretenimento. O refugiado já começa a história sendo um estranho para si mesmo, na medida em que a ruptura pela qual ele (a) foi submetido (a) faz surgir um novo ser humano repleto de dúvidas, de lamentações, de inseguranças,... de luto. O refugiado não está em viagem, ele é arremessado contra o desconhecido; e lidar com o novo é sempre desafiador e metamórfico.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o Relatório Anual Tendências Globais (Global Trends – Forced displacement in 2018) 2 divulgado, ontem (19/06/19), aponta que 70,8 milhões de pessoas foram forçadas a fugir em razão de guerras, conflitos e perseguições no ano passado.
Isso significa que “o número de refugiados chegou a 25,9 milhões de pessoas em todo o mundo, 500 mil a mais do que em 2017. Também estão incluídos no total os 5,5 milhões de refugiados palestinos sob o mandato da Agência da ONU de Assistência aos refugiados palestinos (UNRWA). O segundo grupo são de solicitantes de refúgio – pessoas fora de seus países de origem recebendo proteção internacional enquanto aguardam a decisão de seus pedidos de refúgio. Até o final de 2018, havia 3,5 milhões de solicitantes de refúgio no mundo. O terceiro e maior grupo é composto por 41,3 milhões de pessoas que foram forçadas a sair de suas casas, mas permaneceram dentro de seus próprios países. Normalmente, são chamados de deslocados internos, ou IDPs (na sigla em Inglês)” 3.
Seja por que motivo for a verdade é que esse processo não parece sinalizar um fim. A resposta para essa percepção tão negativa, talvez, advenha da própria conduta humana. Por detrás dos processos que movem os refugiados pelo mundo estão ações comportamentais, interesses econômicos, disputas geopolíticas, ou seja, a própria sociedade na figura de seus grupos dominantes.
Ninguém quer perder espaço seja esse político, econômico, cultural ou geográfico. Portanto, não há uma tendência de flexibilização ou mitigação das tensões, só acirramento. Isso implica necessariamente, a construção de uma perda incomensurável para o coletivo social; não há vencedores ou beneficiados porque se estabelece uma necessidade veemente de equilibrar as demandas. No entanto, como esse é um processo não planejado os seus desdobramentos também o são.
Penso que qualquer pessoa entende o significado da vida; mas, o que precisamos entender é porque somos levados a acreditar que algumas vidas sejam mais importantes do que outras, ou porque alguns devem ser dotados de mais dignidade do que outros, ou de liberdade; enfim... Essa tomada de consciência é fundamental para rompermos com o ciclo de banalização, de trivialização dos acontecimentos mais perversos que se arrastam ao longo da história da humanidade. O descompromisso com a nossa fala, o nosso discurso, é capaz de gerar efeitos tão destrutivos socialmente que precisamos sim, sermos mais atentos, mais responsáveis, mais fraternos uns com os outros. Afinal, nenhum de nós sabe, de fato, que mãos estarão estendidas em nosso auxílio, quando o revés da vida se abater sobre nós.



1 Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 1 – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.


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