E o golpismo continua ...

 

E o golpismo continua ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não dá para dissociar os fatos; pois, como já dizia Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. Por isso, apesar do calor das emoções, a reflexão atual demanda essa consciência para ser bem-sucedida.

Longe de qualquer surpresa, já era de conhecimento público que, mais uma vez na história brasileira, a bandeira da “segurança pública” figuraria com destaque durante a disputa eleitoral de 2026. Pena, que isso tenha ocorrido mediante profunda barbárie.  

Mas, se engana quem pensa que é só no Brasil. Na verdade, como é de costume da ultradireita, com ou sem o apoio dos demais matizes direitistas, a apropriação de pautas flagrantemente polêmicas, como é o caso da criminalidade e do tráfico de drogas e outros ilícitos, tem se disseminado mundo afora, frequentemente associada a uma postura antidemocrática e com risco de erosão das liberdades individuais.

Entretanto, a beligerância da operação policial, que ocorreu, ontem, no Rio de Janeiro, me parece ir além, como uma vertente do golpismo que tenta tomar de assalto o país. Sendo que uma das estratégias utilizadas pela ultradireita é se opor às leis vigentes de maneiras que desafiam os princípios democráticos e do Estado de Direito. De modo que essa oposição tem se manifestado em discursos, estratégias políticas e até em ações que questionam ou deslegitimam a ordem jurídica estabelecida.

Quando o país assiste estarrecido a uma megaoperação policial, como a realizada na cidade do Rio de Janeiro, ontem, e que ainda reverbera a dimensão do seu fracasso civilizatório, essa questão se aflora. Por quê? Vejam, até o momento, as estatísticas oficiais dão conta de 4 policiais e 117 suspeitos mortos, 113 indivíduos foram presos e 118 armas apreendidas.

Acontece que a proibição da pena de morte e de outras penas, tais como a prisão perpétua, é considerada uma cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988. Além disso, o Brasil também é signatário de tratados internacionais que proíbem a pena de morte, ou que reforçam sua inconstitucionalidade em tempos de paz. Portanto, se a criminalidade viola a legislação nacional, a morte de 117 suspeitos também.

Bem, o estopim desses acontecimentos está na oposição da ultradireita, com ou sem o apoio dos demais matizes direitistas, às leis vigentes no país. É só recordar que, em novembro de 2024, governadores de diversos estados brasileiros manifestaram oposição à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública apresentada pelo governo federal, argumentando que ela poderia invadir a competência e a autonomia dos estados na gestão da segurança pública.

Isso acontece porque a ultradireita busca subverter ou manipular as estruturas legais existentes para minar a democracia e consolidar seu poder. Tanto que, foi preciso uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, conhecida como "ADPF das Favelas", para se discutir a política de segurança pública do Rio de Janeiro, buscando a redução da letalidade policial e a garantia de direitos fundamentais nas comunidades.

Embora ela não esteja completamente decidida ou encerrada, em 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou parcialmente um plano do Estado do Rio de Janeiro para reduzir a letalidade policial. A decisão incluiu a adoção de medidas como o uso de câmeras corporais, a preservação de locais de mortes e a investigação de crimes pela Polícia Federal em casos de repercussão internacional; bem como, a criação de um comitê para fiscalizar o cumprimento das medidas.

No entanto, diante dos recentes acontecimentos, parece clara a disposição da ultradireita em afrontar e desafiar o Estado Democrático de Direito. Inclusive, não houve solicitação de apoio do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) antes da execução da referida operação policial, como estabelece uma decisão do STF, em 2020, decorrente da “ADPF das Favelas”.  O objetivo é permitir que o Ministério Público acompanhe e fiscalize as ações.

O curioso é que enquanto o governo federal rebateu críticas sobre falta de apoio, manifestas pelo governador do RJ, que cobrou maior cooperação, a referida proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), apesar de ter sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, em julho desse ano, permanece aguardando para ser avaliada por uma comissão especial antes de ser encaminhado ao Plenário para votação. Como se o assunto não fosse, assim, tão importante!

Enquanto isso, a criminalidade e a segurança pública capturam o centro das atenções, diante da proximidade das eleições de 2026. E a ultradireita, com ou sem o apoio dos demais matizes direitistas, aproveita o momento para extravasar suas pautas punitivistas, as quais incluem projetos de lei que visam aumentar o tempo de prisão para crimes específicos, redução da maioridade penal, restrições a benefícios penais, aumento de prisões, e a criação de novas tipificações penais ou suporte de penas para determinados crimes.

Contudo, o que se comprova, pela enésima vez, com o episódio no RJ, é que o Brasil está diante de um modelo de segurança pública falido, e claramente indica que o foco de atenção deve ser a economia do crime, e não apenas o encarceramento em massa ou o aumento do efetivo policial. Pois medidas punitivistas, nesses pouco mais de 500 anos de história, não deram quaisquer resultados para a segurança pública nacional. Segundo diferentes especialistas no assunto, o país precisa de uma abordagem multifacetada e ajustada à realidade contemporânea, se quiser realmente desarticular as estruturas criminosas.

O que inclui, portanto, o fortalecimento da inteligência e integração entre forças de segurança, o aumento das ações de repressão e apreensão de drogas, o combate à lavagem de dinheiro, a desarticulação do financiamento do crime organizado, o desenvolvimento alternativo em áreas de cultivo, a prevenção ampliada nas escolas e a criação de políticas de redução de danos.

É isso ou continuar enxugando poças de sangue e de ira, por aí! Afinal, como dizia Benjamin Franklin, escritor, cientista e filósofo político estadunidense, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha!".