A traição não escolhe identidade

A traição não escolhe identidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Diante de uma realidade que vem permitindo, a cada dia mais, a separação entre o joio e o trigo da política nacional, é preciso refletir sobre o significado da traição.

Ver a Direita e seus matizes, liderando o motim congressista em favor de uma anistia, aos condenados pela recente tentativa de Golpe de Estado, e à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da “Blindagem”, de certa forma, não surpreende.

Mas, descobrir que dentro do próprio partido do Presidente da República há simpatizantes dessas pautas, a tal ponto de votarem a favor delas, é vexatório, para dizer o mínimo.

A grande verdade é que essa atitude pode ser resumida em uma única palavra: TRAIÇÃO. Primeiro, esses indivíduos romperam um contrato ou acordo social, com as crenças, princípios, valores e convicções, que os levaram a representar uma dada parcela do eleitorado brasileiro. Depois, com a sua sigla partidária. E, por último, com o Presidente da República.

De modo que essa traição não só é complexa, como envolve sentimentos de perplexidade, de indignação, de desconfiança, e porque não dizer, de um certo luto social.

Sim, a confiança, que era o pilar de sustentação de um acordo político, foi quebrada e fez emergir uma importante desestabilização nas relações em torno do poder.  

As máscaras foram ao chão. O comportamento fundamentado pela desonestidade e pela falta de ética criou um abismo irreversível. Algo que traz à lembrança a literatura Shakespeariana.

William Shakespeare, poeta, dramaturgo e ator inglês, explorou em suas obras a traição política, como poucos. Ele refletiu sobre as dinâmicas de poder, a corrupção e a fragilidade da moralidade, mostrando como a busca pelo poder absoluto pode levar à usurpação e ao caos social.

A ânsia de poder foi mostrada como um motor fundamental das tramas, levando personagens a trair seus pares e seus compromissos, considerando que as alianças políticas tendem a ser frágeis e transitórias, de modo que a lealdade pode ser rapidamente quebrada quando o interesse pessoal se sobrepõe.

Sendo assim, a traição, na perspectiva político-partidária representativa, em qualquer tempo, não se resume a um ato individual.

Pelo contrário, ela se expande enquanto um fenômeno social que perturba a ordem, a confiança e a coesão social, gerando consequências importantes para os envolvidos e para a própria dinâmica das relações humanas.

Pois, a aura de incerteza que passa a pesar sobre aquele coletivo social é tecida pelo medo, pela insegurança, pela desconfiança, como se a traição pudesse se repetir e se perpetuar como um modus operandi padrão.

Isso acontece porque, segundo Nicolau Maquiavel, escritor, político, diplomata, historiador e pensador italiano, “Não se pode chamar de valor assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória”.

Assim, do mesmo modo que o Presidente da República cobrou, recentemente, dos partidos aliados um posicionamento em relação ao compromisso assumido, enquanto frente ampla, durante a campanha eleitoral; agora, é a vez de cobrar engajamento, lealdade e comprometimento dos filiados ao seu próprio partido. Nada de dois pesos e duas medidas!

Dizia Eleanor Roosevelt, esposa do ex-presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, “Se alguém trai você uma vez, a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”. Por isso, diante de tempos tão conturbados, tensos, aflitivos, torna-se imperioso saber qual o posicionamento desses indivíduos dentro do governo.

Afinal, eles ocupam um lugar, um status específico, nessa ordem social, o qual lhes confere direitos e poderes que precisam e devem ser respeitados.