Aprisionados pela ignorância?!

 

Aprisionados pela ignorância?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vira daqui. Mexe dali. E a questão colonial permanece assombrando a realidade brasileira. Dessa vez, a ótica da discussão é a liberdade de expressão. Essa bandeira contemporânea que vem sendo hasteada por inúmeros indivíduos e grupos que almejam expressarem suas opiniões, ideias e pensamentos livremente, sem censura ou restrições de quaisquer naturezas.

Mas, será isso mesmo? Penso que não. O século XXI está, mais do que nunca, sendo regido pelo signo da alta tecnologia. A sociedade contemporânea já vive entre dois mundos, o real e o virtual. Ideias, conhecimentos, informações, transitam na velocidade da luz e não só modelam as relações e as interações sociais, como as modulam, segundo os interesses e as necessidades do poder.

Quem está por trás desse jogo, então, são as Big Techs. Empresas de tecnologia de grande escala que exercem influência significativa no mercado global, dominando setores como internet, comunicação e eletrônicos. O que significa que elas se opõem a mecanismos de regulação da internet, argumentando que isso pode prejudicar a liberdade de expressão e a inovação, além de gerar insegurança jurídica e onerar as empresas com multas e sanções.

No entanto, há um aspecto importantíssimo que diz respeito ao fato de que a desinformação, o discurso de ódio e outros conteúdos ilegais, os quais proliferam nas plataformas digitais, é altamente rentável para elas.

Isso acontece porque o modelo de negócios dessas plataformas é baseado em engajamento, e conteúdos polarizadores, sensacionalistas e tóxicos tendem a gerar mais interações, resultando em mais tempo de permanência dos usuários, coleta de dados e exibição de anúncios.

Acontece que, por trás dessa coleta de dados, existe um interesse de controle e manipulação social, por parte das esferas de poder. Afinal, essas informações produzem caminhos enviesados e tendenciosos capazes de ampliar a concentração de poder econômico, potenciais abusos na utilização dos dados, riscos à privacidade e à segurança; mas, principalmente, impactar na disseminação de desinformação e enfraquecimento da democracia.

Observando com atenção à realidade brasileira, tudo isso se torna perceptível e compreensível, na medida, por exemplo, que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) não foram devidamente incorporadas à dinâmica social.

Enquanto elas já são parte integrante e integrada, da realidade dos países desenvolvidos, por aqui a sua relação com o cidadão se encontra repleta de lacunas, de vazios, que não permite afirmar a existência de uma Cultura Digital inclusiva e amplamente acessível.

Veja, a inclusão digital é algo multifacetado e é indissociável aos letramentos digitais. A maioria dos (as) brasileiros (as) ainda se encontra desprovida de letramento computacional, ou seja, de uma capacidade consciente sobre como usar, entender e interagir, de forma crítica e eficaz, com as tecnologias digitais, ultrapassando o simples manuseio de dispositivos.

Também não se vê o letramento digital, o qual além da compreensão e uso das informações em ambientes digitais, incluindo a leitura, a escrita e a produção de conteúdo em plataformas, envolve a compreensão crítica das informações, a avaliação da veracidade e a navegação segura no ciberespaço.

Como diz o filósofo francês, Michel Foucault, “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”.

Olhando, então, para a questão dos (multi)letramentos digitais, que envolve a compreensão e a produção de significados através de diversas formas de comunicação, incluindo as ferramentas digitais, as mídias e as tecnologias, a sua insuficiência e ineficiência, no caso brasileiro, decorrem dos interesses presentes no neoimperialismo contemporâneo, oriundo das Big Techs.

Em substituição ao (multi)letramento operou-se, e ainda opera, por aqui, uma maciça narrativa em torno da liberdade de expressão, como se ela pudesse existir à margem da responsabilidade cidadã, do respeito democrático e aos direitos coletivos.

A defesa ruidosa e combativa em torno da liberdade de expressão estabelece, então, o enfraquecimento da coesão social e da capacidade de resistência, especialmente, das minorias sociais, facilitando a manipulação por parte dos poderes estabelecidos.

Assim, em nome dessa pseudoliberdade, vendida e disseminada pelas Big Techs, a desinformação, o discurso de ódio e outros conteúdos ilegais, se proliferam nas suas plataformas digitais. Ao dividir e segmentar a sociedade, dificulta-se a coesão em torno da defesa de direitos e interesses.

Quanto à propagação de notícias falsas e a manipulação da informação, executa-se a política do medo, da desconfiança, dificultando a tomada de decisões conscientes. De modo que não se pode negar como esse emaranhado todo favorece às intenções e às pretensões das agendas ultradireitistas globais.

Haja vista que o uso da liberdade de expressão para incitar a violência ou questionar a legitimidade de processos democráticos pode colocar em risco a estabilidade das instituições e o cumprimento das leis.

Isso ocorre, porque “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Michel Foucault).

Daí o Brasil estar diante de um confronto internacional, capitaneado pelas Big Techs, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Poder Judiciário no país.

É, caro (a) leitor (a), “As pessoas sabem aquilo que elas fazem; frequentemente sabem por que fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem” (Michel Foucault).

Por isso, é fundamental compreender, camada por camada, desse neoimperialismo (ou neocolonialismo), o qual diz respeito à influência e controle exercidos por certas potências sobre outras nações.

Afinal, muitas vezes, isso ocorre de forma indireta e através de meios econômicos, políticos e culturais, aproveitando-se da fragilidade e da vulnerabilidade da construção histórica de inúmeros países.

Como escreveu o sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, “O capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento” (Capitalismo Parasitário, 2009).