A permissividade indecorosa com seus dois pesos e um milhão de medidas
A permissividade
indecorosa com seus dois pesos e um milhão de medidas
Por Alessandra
Leles Rocha
Vamos e convenhamos, a Câmara dos
Deputados já foi um lugar mais respeitável! Acontece que a permissividade
indecorosa que se alastrou pelo recinto, nas últimas décadas, tornou o local um
palco da espetacularização do absurdo. De modo que é preciso uma análise muito
crítica do que vem se processando, por lá, para não cair em “Contos Da
Carochinha”. Sobretudo, ao se tratar de decoro parlamentar.
Cada dia que passa, esse me
parece um assunto extremamente sensível. Ora, se o tal decoro significa “os
princípios e normas de conduta que orientam o comportamento do parlamentar no
exercício de seu mandato” 1,
algo já parece destoar, quando nos lembramos do fisiologismo presente,
especialmente, nessa casa do Legislativo Federal.
Sim, a terrível “Prática ou
tendência para a prática da procura de vantagens pessoais ou favorecimentos
privados no desempenho de cargos políticos ou públicos, em prejuízo do
interesse público comum” 2,
que veio ao longo do tempo se legitimando e se institucionalizando no campo
político-partidário nacional. A qual recentemente
cobriu as páginas midiáticas, nacionais e internacionais, com todos os vai e
véns no caso do chamado Orçamento Secreto, que acabou sob intervenção pela
Suprema Corte brasileira.
Contudo, não para por aí! Lugar
de respeito e decência, a tribuna da Câmara dos Deputados, tem sido espaço do achincalhamento
da Democracia, no que significa a explícita manifestação de atos condenáveis
pela própria legislação nacional. Misoginia. Homofobia. Racismo. Xenofobia.
Aporofobia. ... Exemplos ruins que têm se disseminado pelas demais Casas Legislativas
da federação e contribuído para o acirramento de uma polarização do ódio, no
país.
Um dos exemplos mais recentes,
aconteceu na Comissão de Segurança Pública da Câmara, em que se discutia um
projeto de lei para propor o desarmamento da segurança pessoal do Presidente da
República. Desconsiderando por completo os achados da Polícia Federal a
respeito de toda a trama golpista, a qual culminou no 08 de janeiro de 2023, cujos
conteúdos trouxe a público a existência do Plano “Punhal Verde-Amarelo”, com informações
detalhadas para matar o Presidente da República, o Vice-Presidente e um dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, não bastasse isso, o próprio
relator da proposta admitiu, em alto e bom tom, diante dos presentes, que
gostaria de ver o Presidente da República morto. Em uma franca disposição
incitativa às práxis de extrema violência, que transitam pela polarização
odiosa nacional. Haja vista a quantidade de episódios de terrorismo interno
ocorridos, a partir de 2022, no país.
No entanto, esse contexto de
espetacularização do absurdo, promovido pelos representantes da Direita e seus
matizes, mais ou menos radicais e extremistas, é claramente assimétrico, no
sentido de promover a desqualificação, o desrespeito, a desumanização e a
incapacidade parlamentar dos representantes político-partidários do espectro
progressista. Em uma tentativa flagrante de silenciá-los sob pena de punição. Vejam
só! A maioria parlamentar na Câmara dos Deputados comete uma acintosa afronta à
Constituição Federal, de 1988, quando desconsidera o princípio fundamental do
pluralismo político, tentando invisibilizar e negar os direitos constituídos da
ala progressista.
Enquanto um dos acusados pelo
assassinato da Vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, no
Rio de Janeiro, em 2018, ainda não teve o mandato cassado pela Câmara dos
Deputados, parlamentares progressistas são alvo, a todo instante, de processos no
Conselho de Ética, em razão das suas atuações combativas no parlamento federal.
Hoje, por exemplo, um deputado do
PSOL-RJ teve o mandato cassado pelo Conselho de Ética, segundo quebra de decoro,
por ter expulsado, aos chutes e empurrões, um militante do MBL de dentro da
Câmara, após inúmeras agressões verbais graves desferidas por ele ao
parlamentar. Uma cassação de natureza estritamente político-ideológica. Afinal,
esse parlamentar se opôs publicamente contra os desmandos envolvendo o chamado
Orçamento Secreto.
É claro, que abster-se da
dialogia para substituí-la pela violência física, é algo reprovável. Contudo,
não tivesse sido a Câmara dos Deputados transformada em arena de uma
permissividade indecorosa, praticada por parlamentares e visitantes, nenhum ser
humano seria levado ao extremo da sua raiva e indignação. Vale recordar, em
junho de 2024, que uma deputada federal, também do PSOL-SP, de 89 anos, após terríveis
e hostis manifestações ocorridas em uma sessão na Comissão de Direitos Humanos
da Câmara, passou mal e precisou ser hospitalizada em UTI. O que demonstra o
grau de desvirtuamento e incivilidade dessa casa do parlamento brasileiro.
O pior é que esse comportamento
tende a se agravar. Sim, o grande objetivo da Direita e seus matizes, mais ou
menos radicais e extremistas, é conquistar a sua supremacia no Congresso
Nacional, nas eleições de 2026. Constituir um legislativo que trabalhe, única e
exclusivamente, pelas pautas de interesse desse espectro político-partidário. Sem
oposição. Sem contestação. Fazendo prevalecer, de maneira absoluta, os
interesses, regalias e privilégios das elites dominantes nacionais. O velho
ranço colonial brasileiro!
Assim, feitas essas breves
reflexões, convido você leitor (a) para que leia o texto, atemporal, de Rachel
de Queiroz, intitulado “Votar”, escrito em 11 de janeiro de 1947 3. Trata-se de uma verdadeira aula
de cidadania, de democracia, de dignidade humana. Algo que a contemporaneidade
precisa, com urgência, resgatar no fundo obscuro da consciência. Não se
esqueçam: “Palavras, o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha
a gente até o inferno” (Rachel de Queiroz).