Reflexões à luz de velas...

 

Reflexões à luz de velas...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Pois é, não adianta tentar se manter à margem de certos acontecimentos, porque a força das conjunturas é, realmente, implacável. Mais uma vez atingida pelo apagão elétrico, durante uma tempestade, a região metropolitana de São Paulo, através do seu sofrimento, nos confronta com uma verdade, um tanto quanto, indigesta.  

Desde a 1ª Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, o cotidiano global foi moldado pela utilização da eletricidade. Em nome de certas facilidades, ou comodidades, a humanidade se rendeu a um modo de vida totalmente dependente da energia elétrica, trilhando um caminho sem volta, nesse sentido.

Acontece que ultrapassamos um patamar bem superior ao da satisfação das necessidades básicas. Cada novo delírio de consumo, na contemporaneidade, implica diretamente em uma sobrecarga de energia e, portanto, de dependência desse recurso.

O que nos coloca diante de um cenário de apagões que podem acontecer por decorrência de algum evento extremo do clima; mas, também, pela insuficiência da oferta de energia elétrica para atender a todas as demandas contemporâneas.

O modo como tornamos nosso dia a dia subserviente à eletricidade parece não ter se dado conta, por exemplo, do impacto da escassez hídrica sobre as usinas hidrelétricas e de uma produção de energia eólica e solar incipiente, no país, ainda que sua capacidade venha sendo gradativamente expandida. Portanto, o panorama atual pede cautela quanto ao afã consumista de eletricidade.

Além disso, muito se falou, nos últimos dias, sobre a necessidade urgente do aterramento dos fios elétricos nos centros urbanos. Mas, se não houver um recuo na expansão consumista de eletricidade, os custos dessa engenhosa obra tendem a se tornar totalmente inviáveis.

Vejam, a expansão dos espaços urbanos implica, inevitavelmente, em mais consumo de energia, em mais estrutura de fornecimento elétrico, em uma melhor zeladoria ambiental da cidade, ... enfim. De modo que essa não pode ser uma discussão restrita aos gabinetes gestores.

Para se encontrar uma solução adequada e compatível às diversas demandas socioeconômicas do município é preciso que todos os envolvidos participem efetivamente do processo. Justamente porque o problema é complexo, não se pode desconsiderar a participação das diferentes representações sociais, ou seja, quem produz e participa da cidade.

E me parece que essa lacuna de comunicação é sempre a ponta do iceberg. Quando se desconsideram uns em detrimento de outros, os problemas tendem rapidamente a emergir e a se desdobrar em cenários bastante caóticos. Simplesmente, porque a dialogia é inexistente, obstaculizada ou interrompida, não permitindo que se chegue a um senso comum e equilibrado das questões.

O fato, por exemplo, do sistema democrático estabelecer a representatividade popular, a partir de indivíduos eleitos pelo voto, não significa que esses possam se eximir, na tomada de decisões, das opiniões de seus eleitores.

Afinal, na maioria das vezes, são eles os mais, diretamente, afetados. Sem contar, que tais atitudes parecem configurar uma apropriação descabida do poder gerado pela atribuição do cargo público.

Daí ser compreensível a indignação, a revolta, a frustração, dos milhões de paulistanos que tiveram suas vidas, nos últimos dias, consumidas pela escuridão do apagão elétrico. Prejuízos materiais e imateriais que não tendem a ser, de algum modo, ressarcidos a contento.  

Mas, cujo cerne está em acordos e decisões que não foram tomadas com base no bem-estar e na melhoria social; mas, nos jogos de interesse e poder historicamente presentes na realidade brasileira.

Como dizia Ulysses Guimarães, “Todos os nossos problemas procedem da injustiça. O privilégio foi o estigma deixado pelas circunstâncias do povoamento e da colonização, e de sua perversidade não nos livraremos, sem a mobilização da consciência nacional”.

Sendo assim, se o apagar da luzes não fizer acender a cólera, o enraivecimento e a ira do cidadão, diante dos acontecimentos, ao menos, ela contribui para retirar dele o véu da inação crítico-reflexiva, impondo a necessidade de ver o que acontece bem diante dos seus olhos.  

Portanto, não nos esqueçamos do que escreveu Bertolt Brecht, “Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence” (Privatizado).

Consequência terrível de um mal que assola, há tempos, a grande massa brasileira. Sim, porque “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo” (Bertolt Brecht)