Quando o progressismo precisa se fazer entender ...

 

Quando o progressismo precisa se fazer entender ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A recente eleição municipal, no Brasil, tem fomentado diversas discussões sobre o desempenho da ala progressista no país, considerando um êxito aquém das expectativas. Bem, é preciso considerar, de antemão, tanto as razões da historicidade colonial brasileira, quanto à alienação ideológica, caracterizada por um forte sentimento anticomunista, estabelecida pelos EUA, por aqui, para tecer qualquer análise a respeito.

Desde que mundo é mundo, ou seja, a partir da consolidação das estruturas sociais no planeta, que a relação entre dominadores e dominados se distribui pela população a partir de uma franca expressão de desigualdade, sob diferentes formas e conteúdos. E isso acontece porque aqueles que mandam, não têm quaisquer pretensões de dividir ou compartilhar seus poderes, regalias e/ou privilégios.

Assim, ainda que a camada social de dominados seja muito maior do que de dominadores, quaisquer tentativas de ascensão, por parte de seus membros, é brutalmente reprimida. Seja pela violência física, ou pela desqualificação identitária, ou pela supressão de direitos básicos. Algo facilmente perceptível pela resistente presença histórica da escravização ou práticas análogas a ela, no mundo.

Como a voz da discursividade dominadora sempre soou mais alto na sociedade, em razão da sua apropriação dos poderes, isso levou a um processo de inibição subserviente das vozes dominadas. A política do medo, da repressão, da violência, gera um estado de banalização e trivialização do silêncio. As minorias sociais se constrangem, se intimidam, diante do temor a que são constantemente submetidas.

Os seus esforços, as suas habilidades e competências, que traduzem diariamente o desenvolvimento e o progresso, não são exaltados, respeitados e recompensados, a contento. Como uma forma de demonstrar o espaço social que lhes é cabível, ou seja, não adianta reivindicar, questionar, porque não há pretensão de mudanças por parte dos dominadores. Então, quando alguém insurge diante dessa realidade ele é estereotipado pelo extremismo, pelo radicalismo, pela insubordinação. Torna-se persona non grata.

Portanto, uma ameaça ao equilíbrio das conjunturas sociais que, apesar de severamente desiguais, aos olhos de muitos parece ser a única via de sobrevivência. Foi nesse viés, que o anticomunismo foi implantado no mundo. Imagina, aqueles que já dispõem de tão pouco, ter que dividir seus bens materiais com os outros? De modo que a constante reafirmação desse discurso de medo reverbera em pleno século XXI, como uma verdade inconteste.

Assim, ficaram estereotipados todos os cidadãos que venham a defender ideias de caráter progressista, ou seja, que defendam a igualdade de direitos, às minorias, uma justa distribuição da renda, melhores condições de trabalho, ... Como se parâmetros de justiça social fossem uma expressão de extremismo ou de radicalismo. Uma ameaça a perturbação da lei e da ordem social, segundo a cartilha dos dominadores. Ninguém para e observa que tais ideias emergiram, no mundo, justamente, durante a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, em razão das péssimas condições experenciadas pelos trabalhadores.

A impressão que se tem, observando o século XXI, é que o nível de alienação social foi tão profundamente perverso e cruel, com a grande massa da população, que estamos diante da materialização da Parábola do Elefantinho Acorrentado 1.  O poder da discursividade dominadora conseguiu modular o pensamento dos dominados, a tal ponto de impedi-los de exercer sua liberdade, sua autonomia, seu protagonismo. E desconstruir essa pseudoverdade é demasiadamente desafiador.

A opressão histórica chegou a um nível que se for para insurgir contra os dominadores, que seja para defender a sua própria ascensão. A ideia de defender a igualdade de direitos, às minorias, uma justa distribuição da renda etc.etc.etc., parece não fazer justiça às pretensões contemporâneas dos dominados. Eles querem algo que vire o jogo, que os coloque diante das mesmas regalias, privilégios e, quiçá, poderes, dos dominadores.

Afinal de contas, a realidade social está, cada vez mais, marcada pela influência das tecnologias, de modo que são elas que ditam as aspirações, os desejos, o comportamento social da população. O que significa trazer à tona uma reafirmação de um padrão individualista, narcisista e, profundamente, egoísta, entre a maioria significativa dos indivíduos. Então, qualquer diálogo que as frentes progressistas queiram estabelecer com as camadas dominadas precisa levar tudo isso em consideração.

Os velhos discursos não cabem mais. A compreensão do que foi feito pelos dominadores já é facilmente traduzível pela percepção dos dominados, ou seja, de que “O velho limite sagrado entre o horário de trabalho e o tempo pessoal desapareceu. Estamos permanentemente disponíveis, sempre no posto de trabalho” (Zygmunt Bauman – Modernidade Líquida, 2001). Acontece que essa situação não é mais atrativa, sob nenhum aspecto. Os dominados querem uma realidade, no mínimo, próxima, daquela desfrutada pelos dominadores.

Portanto, segundo Zygmunt Bauman, “Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem”.  Nesse sentido, o ponto de partida para a transformação do ideário progressista é não negar a realidade social contemporânea. Basta, de fomentar o pensamento dos heróis e dos vilões! Dos bons e dos maus. Do nós e eles. Das dicotomias inúteis. Afinal, “A incapacidade de escolher entre atração e repulsão, entre esperanças e temores, redunda na incapacidade de agir” (Zygmunt Bauman), o que desfavorece consideravelmente às suas pretensões.