Quando a dialogia falha ...
Quando
a dialogia falha ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Além de considerar a dialogia um
exercício fundamental para realçar a capacidade cognitiva humana, tenho
defendido sempre a necessidade de resgatá-la em tempos contemporâneos, tão
avessos à exposição clara e objetiva das ideias. É importante destacar que, para
dialogar não basta apenas um indivíduo, o que explica porque nem sempre a boa intenção
sai do rol da intenção.
E o que me faz escrever sobre
isso, mais uma vez, é o excesso de contemporização manifesto pelo Ministro da
Defesa diante do curso jurídico que apura todos os cenários golpistas experimentados
pelo país 1, especialmente, aqueles dentro do recorte
temporal que se seguiu após o fim das eleições, em outubro de 2022.
Bem, por mais perplexidade que
possa ter causado o envolvimento das Forças Armadas nesse processo, não há como
negar que elas estiveram presentes sim. Áreas militares, na frente de Quartéis
Generais, por exemplo, foram ocupadas sem resistência alguma das Forças, o que desconstrói
a narrativa de que uma participação seria fruto do livre arbítrio individual de
certos elementos. Quando há autorização, a anuência, é porque a questão passa a
ser de natureza institucional.
Vamos e convenhamos que elas erraram,
na mão, quando permitiram construir uma imagem homogeneizada de si mesma, em
que membros da ativa e da reserva se misturavam e davam a impressão de uma
coisa só, no ex-governo. Quem olhasse de fora não sabia exatamente quem estava
em qual condição. Acontece que essa é uma questão importante, do ponto de vista
do próprio regulamento militar, o qual impõe limites mais severos as ações e
comportamentos para quem está na ativa.
Então, dessa conjuntura para o
que se viu depois, em termos de pura incivilidade e insubordinação
constitucional, foi um pulo. Especialmente, porque eles haviam sido enredados e
contaminados pela política dentro do ambiente de caserna, o que afetou
drasticamente a manutenção das crenças, princípios e valores militares. Era como
se eles estivessem militares; mas, não fossem militares, dado o comportamento antagônico
que passaram a ostentar e que não pode ser atribuído, única e exclusivamente, à
obediência hierárquica ao seu Comandante em Chefe, naquela ocasião.
E por mais que todas essas
considerações sejam importantes, não é exatamente esse o ponto crítico na minha
reflexão. Por força das próprias bases históricas, os militares brasileiros tendem
a ser ideologicamente alinhados à Direita e seus matizes diversos. O que
explica uma eterna tensão na convivência deles com governos que venham a ser
mais flexíveis ou mais distantes das suas convicções. De modo que os últimos
quatro anos foram para muitos deles um momento de glória, pelo grau de
afinidade e simpatia tecido pela reciprocidade ideológica.
Mas, como a beligerância e a barbárie
demarcaram espaços no cenário social em que eles eram, direta ou indiretamente,
partícipes, a princípio o governo eleito considerou a possibilidade de buscar o
arrefecimento das tensões através de alguém com capacidade dialógica para tal. Acontece
que a escolha se mostrou inapropriada pela parcialidade do escolhido.
Afinal, alguém que simpatiza com
dois lados tão antagônicos, na medida em que ele era amigo do ex e do atual
presidente, não tem como manter a neutralidade decisória e de ação diante de
flagrante efervescência político-partidária no país. E não tem, sobretudo, porque
no cerne da sua alma está um ser humano fervorosamente de Direita, cuja família
é, inclusive, ligada ao universo agrário pernambucano. Haja vista o desastroso
e infeliz comentário que ele fez, recentemente, sobre a desigualdade no país,
quando chegou a afirmar que “O sonho do
pobre no Nordeste é ser pobre no Sul”2.
O que significa que, por natureza,
ele já tem um lado para pender suas opiniões. Daí tanta condescendência, tanta
cordialidade, tanta indulgência, na condução das tratativas sobre os atos
golpistas que foram deflagrados após o término das eleições, ou seja, bloqueios
em estradas, acampamentos em áreas militares, ameaças em redes sociais, depredações
de edificações e patrimônio público na capital federal, enfim. Pois é, em todos
esses acontecimentos estão as digitais da Direita e de seus matizes, sejam eles
mais ou menos radicais.
Acontece que se essas pessoas
estivessem dispostas ao diálogo elas não teriam agido como agiram. Por isso, a
postura do Ministro se mostra tão equivocada, quando insiste e persiste na
exaltação ao diálogo, como forma de pacificação do país. Ele deveria saber que
a polarização no Brasil é histórica, não é fato recente. Tem suas raízes lá nos
tempos da Casa Grande e Senzala, ou seja, nasce do mesmo pé que nascem todas as
desigualdades nacionais.
Portanto, a turba enfurecida, desde outubro de 2022, não pretende se curvar à Democracia, ao Estado de Direito, à Constituição Federal e, principalmente, a um governo cujo viés ideológico é contrário ao seu. E sendo assim, seja quem for que tenha agido na contramão da legalidade precisa ser responsabilizado, levado a tomar consciência da dimensão da sua incivilidade, da sua anticidadania, na medida da proporção de seus atos. Não há pacificação que se consagre lançando as sujeiras sob os tapetes da República. Problemas tem que ser resolvidos, de preferência, ainda na raiz. Afinal, como dizia Dean Rusk, “A pacificação apenas torna o agressor mais agressivo”.