As entrelinhas de mais uma CPI...
As
entrelinhas de mais uma CPI...
Por
Alessandra Leles Rocha
Tentar transformar a vida, nas
suas mais diferentes camadas, em uma receita de bolo aplicável a qualquer circunstância
é uma estupidez. Momentos diferentes. Cenários diferentes. Atores diferentes. Personagens
diferentes. Fatos diferentes. Mas, é exatamente isso que o Senado da República está
querendo emplacar, quando revela um movimento em torno de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os atos antidemocráticos, aos moldes do que
foi a que tratou da Pandemia de COVID-19.
Ora, a pandemia foi a maior excepcionalidade
recente na história do planeta, não só do Brasil. E a CPI que se debruçou a
entender o que se passava nas entrelinhas do poder federal na gestão dos
acontecimentos foi, de fato, fundamental. Afinal, a sociedade brasileira estava
absorvida pelo processo da pandemia em si, da doença, das perdas humanas; mas,
precisava ser cientificada daquilo que acontecia fora do seu raio de visão.
Simplesmente, porque essas
informações repercutiam diretamente sobre o tênue limite entre a vida e a morte
no país. Insuficiência de oxigênio. Deficiência quantitativa e qualitativa na
aquisição de vacinas. Questões logísticas no fornecimento de atendimento
médico-hospitalar em estados e municípios. Suspeita de corrupção no trato dos
recursos públicos. Omissão de agentes governamentais. ... Questões que, diante
das conjunturas caóticas do adoecimento populacional mostravam uma certa
desaceleração da proatividade do trabalho investigativo das autoridades
policiais e judiciais.
Por isso, naquele contexto, a instauração
da CPI mostrou-se tão fundamental, tão relevante. Era necessário conhecer e
entender a complexidade daquela história pandêmica, além do próprio Sars-CoV-2
e suas variantes, para construir um know-how consistente para eventuais futuras
epidemias e pandemias; bem como, apontar os erros e os equívocos para que não
fossem repetidos novamente. Sim, porque de repente a humanidade percebeu que uma
pandemia é uma possibilidade real, concreta, e que precisa ser enfrentada com o
máximo de seriedade, de objetividade e de responsabilidade sócio, político e econômica.
Dessa maneira, pode-se dizer que
a CPI da COVI-19 cumpriu sim, com êxito, boa parte da sua atribuição. Ela só não conseguiu a plenitude, porque mesmo
diante da gravidade do que se descobriu e revelou não obteve êxito em ser impactante,
o suficiente, para promover junto às autoridades policiais e judiciais
competentes a execução da responsabilização e punição dos agentes envolvidos nas
práticas delituosas encontradas no curso das apurações. Um gosto amargo para a sociedade brasileira;
mas, particularmente, para os amigos e familiares das quase 700 mil vidas
perdidas para o vírus e suas variantes.
Feitos esses esclarecimentos, me
permito lançar o foco para a discussão dos atos antidemocráticos, a fim de
traçar uma reflexão que torne possível perceber o imenso abismo que existe
entre as duas situações. A começar pelo fato de que os atos antidemocráticos
não se resumem ao período iniciado pós segundo turno eleitoral, no país. A
antidemocracia traduzida na imagem do golpismo, do extremismo, do radicalismo,
da beligerância odiosa, foi gestada ao longo dos quatros anos do governo que se
encerrou em 1º de janeiro de 2023.
Foram 1461 dias em que os veículos
de comunicação e informação trouxeram, diariamente, ao público, reportagens
dando conta da escalada antidemocrática, em maior ou menor escala, com a
participação de diferentes atores nesse processo, tanto no âmbito público
quanto privado da sociedade. Aliás, sabia-se da existência de um chamado
gabinete do ódio, instalado no espaço palaciano de governo, que funcionava como
o cérebro ideológico comandante das ações antidemocráticas no país. Tudo com o
aval da direita e seus simpatizantes; em especial, a fatia ultradireitista.
Assim, os episódios de 12 de
dezembro de 2022 e de 08 de janeiro de 2023, dada a gravidade da sua ousadia e violência
se tornaram de conhecimento público, no Brasil e no exterior, em tempo real,
através do trabalho exaustivo e competente da imprensa. De modo que não houve
tempo para reticências ou hesitações, no que diz respeito à investigação, por
parte das autoridades policiais e judiciais competentes. O país esperava por uma
resposta. O mundo esperava também. Afinal, a Democracia e seu Estado de Direito
haviam sido ameaçados e feridos. Portanto, as apurações, as investigações e,
até mesmo, as punições já estão em curso, na responsabilidade e função de quem
de direito.
Vejam, ninguém é ingênuo, o
bastante, então, para não perceber que uma CPI, cujo tema já está em trâmite de
investigação e apuração pelas autoridades competentes, precisaria ser submetido
a um novo escrutínio parlamentar para que os resultados apurados dessa análise
tivessem que voltar para as mãos dos agentes policiais e judiciais competentes e
assim, se chegar a um desfecho a respeito. Diante disso, a ideia de uma CPI sobre
os atos antidemocráticos representa pura perda de tempo e de recursos públicos.
Mas, ela vem sendo ventilada pelos
corredores do Congresso Nacional porque sabe-se, muito bem, inclusive pela própria
repercussão da CPI da COVID-19, o quanto ela potencializaria a visibilidade de
certos segmentos político-partidários através de seus representantes. E isso é
tudo o que a direita e seus simpatizantes mais desejam nesse momento,
considerando as recentes derrotas eleitorais sofridas. Eles querem palco,
publicidade, notoriedade, para inflamar suas ideologias junto à sua claque. E fazer
isso com dinheiro público lhes parece ainda mais oportuno e viável.
Sem contar que eles tentam fazer dessa iniciativa um mecanismo colaborativo para a sua vitimização, em um eventual caso de envolvimento deles nos atos antidemocráticos, apontado pelas investigações já em curso. Trata-se de uma tentativa de utilizar um espaço adicional para se defenderem ou se justificarem das possíveis faltas delituosas cometidas, tendo uma cobertura de imprensa bastante significativa. A CPI dos atos antidemocráticos, portanto, tem esse fim exclusivamente. Não passa de uma ribalta política para não se permitir ser devorado, tão rapidamente, pelo ostracismo.