Nem tudo o que parece é...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não sei se para você, caro (a)
leitor (a), é difícil digerir certas notícias. Bom, para mim é! Principalmente,
quando elas teimam em acenar como oásis num deserto a uma gente sedenta e
aflita por verdadeiras boas novas.
Pois é, não dá para ter outro
sorriso no rosto, a não ser um bem amarelo pálido, depois de saber que o
desemprego recuou 9,1%, em julho 1. Seria
lindo, divino e maravilhoso se as entrelinhas da notícia não exalassem um
cheiro tão ruim!
O cheiro do escárnio, do
desrespeito em relação a uma legião de pessoas que foi lançada aos braços da
informalidade, da precarização trabalhista e do achatamento da renda, para que
viessem a sobreviver sem quaisquer redes de apoio e amparo social.
Sim, porque a informalidade é a
expressão da indignidade, quando se entende que direitos básicos, tais como
férias e descanso remunerado, hora extra, 13º salário, adicional de
periculosidade ou insalubridade, não existem nesse tipo de configuração
trabalhista. A informalidade é o trabalho da sobrevivência diária. Se não trabalha,
não come, não mora, não paga luz e água, enfim...
Mas, como desgraça pouca é
bobagem, tenho visto nas propagandas eleitorais, uns e outros bradando em alto
e bom tom o seu apreço pela dignidade que advém do trabalho. Bonito! Tocante! E
até acredito que o exercício da atividade profissional exerça sim, uma sensação
de participação social, de capacidade produtiva, de realização humana. Acontece
que entre a teoria e prática, no Brasil, existe um abismo.
Esse discurso tenta fazer parecer
que o brasileiro não gosta do trabalho, não quer trabalhar, é um indivíduo que
vive na espera do assistencialismo e das políticas públicas, fato que não é
verdade! Não nos esqueçamos de que nem sempre querer é poder!
E o infortúnio do desemprego
arrasta correntes que não foram forjadas pelo trabalhador; mas, pelo próprio
sistema que organiza e comanda as políticas públicas. Na atual conjuntura é
certo de que há uma excepcionalidade no que diz respeito a um contingente de
desempregados altamente plural dentro dos estratos sociais.
No entanto, a grande maioria
chega a essa condição pelas vias mais cruéis e perversas da insuficiência e da
ineficiência que afetam a sua acessibilidade aos direitos sociais previstos na
Constituição Federal de 1988, ou seja, educação, saúde, alimentação, moradia,
transporte, proteção à maternidade e à infância 2.
De modo que as conjunturas do seu
próprio cotidiano funcionam como critérios naturais de exclusão para aproximar
as camadas mais vulneráveis e desassistidas da população de eventuais
oportunidades de trabalho formais e capazes de lhes resguardar a sua dignidade
cidadã e trabalhadora. Traduzindo em miúdos, isso significa uma maneira sutil
de lhes colocar na encruzilhada entre a informalidade e o assistencialismo.
Não precisa ser nenhum expert em
Economia, Direito, Sociologia ou Serviço Social, para perceber que a inação
governamental para romper com as raízes históricas da desigualdade pretende
permanecer ad aeternum.
Primeiro, porque o poder no país
encontra-se secularmente seguro nas mãos de uma elite, cujos valores,
princípios e convicções se sustentam na ideologia da direita e de seus matizes.
De modo que, ao restante dos estratos sociais cabe o papel de mantê-los
satisfeitos e dominantes no topo.
Segundo, porque ainda que
houvesse quaisquer lampejos de consciência humanitária e transformadora, a
própria realidade das engrenagens reguladoras das relações de produção e de
serviços, dado o avanço científico e tecnológico promovido pelas grandes
Revoluções Industriais, tornou-se cada dia mais incapaz de absorver a
totalidade do contingente de mão de obra disponível.
Formou-se historicamente um
gargalo, nesse sentido. Porém, a displicência e negligência em relação ao curso
desse processo criou o quadro crítico e gravíssimo que se tem na
contemporaneidade. Ao fechar os olhos para as desigualdades, ao longo do tempo,
as classes dominantes fizeram com que elas se avolumassem de maneira
descontrolada. Como escreveu Bertolt Brecht, “Realmente, vivemos tempos sombrios! ”.
Embora a matemática possa ser
manipulada, a experienciação cotidiana não! E nesses tempos em que a existência
humana se divide entre o real e o virtual, a vida como ela é não consegue mais
ser maquiada por uns e outros. Basta abrir as janelas! Basta sair às ruas!
Basta um toque nas telas! E lá os números mostram-se frios e nus, sem alegorias
ou adereços, na mais completa quarta-feira de cinzas!
Por isso, o que se dissemina como
verdade alvissareira, não passa de retórica encomendada para agradar a um único
tipo de cidadão que vem insistindo em se proliferar no país, o analfabeto
político. Ele não é só pior, ele é perigoso! Afinal de contas, “Aquele que não conhece a verdade é
simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é
um criminoso” (Bertolt Brecht, “A vida de Galileu”).
Mesmo assim, não perca a lucidez,
não se entregue à cegueira do mundo! Há esperança e ela reside em você. Entenda,
de uma vez por todas, “Nada é impossível
de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai,
sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que
é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de
confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar” (Bertolt
Brecht).