O duelo entre as variantes e a inação
O
duelo entre as variantes e a inação
Por
Alessandra Leles Rocha
Noticiadas as estratégias de
alguns estados brasileiros em relação ao controle da disseminação da variante
indiana do Sars-Cov-2, através de portos, aeroportos e pontos de fronteiras
terrestres, elas só fazem reafirmar a consciência de que nem tudo foi feito para
conter a doença desde o início, há pouco mais de um ano.
Diferentemente de outras tragédias
em que a percepção irrealista do ser humano quanto a imortalidade foi
fundamental para um desfecho terrível, no caso da Pandemia, não me parece que
esse tenha sido o fiel da balança; mas, a necessidade de não romper com a
estrutura econômica pensada para o país.
Seja como for, a verdade é que a
vida do cidadão brasileiro foi preterida. Tudo pareceu mais importante e
merecedor de atenção do que o ser humano. Como se o cotidiano pudesse seguir
seu curso sem a presença das pessoas. Por isso, mais de 446 mil mortos até
agora.
Negligência. Despreparo. Omissão.
Irresponsabilidade. Desatenção. ... quaisquer tentativas de explicar o que vêm
acontecendo são insuficientes e ineficientes diante do quadro de horror em que
vivem os brasileiros; pelo menos, os mais conscientes, os mais humanos, os mais
sensíveis, os mais indignados.
E não há desculpas nem
retratações que sejam capazes de cumprir seu papel. Antes mesmo que o pior nos
atingisse em cheio, tivemos a possibilidade de acompanhar pelos veículos de
comunicação e informação, a saga devastadora da Pandemia por diversos países da
Europa e nos EUA. Assistimos ao desespero nos hospitais, as cidades vazias pela
obrigação urgente dos severos lockdown,
os veículos militares abarrotados de caixões transportando-os até os locais de
sepultamento coletivo, a dor das famílias enlutadas que não puderam se despedir
de seus entes queridos, ... Nada disso nos foi negado de participar de antemão.
Mas a cobiça, a ganância, as
regalias, os privilégios, a farra, o oba-oba, tudo tem sido mais importante do
que a vida. Nossa compaixão, ou empatia, ou fraternidade, ou qualquer outra
manifestação altruísta, tem sido surpreendentemente incapaz de ressaltar o próprio
instinto de sobrevivência natural de cada um. Como se estivéssemos blindados pelas
armaduras da imortalidade dos deuses.
Então, eu paro, penso, respiro e
me surpreendo. Se essa convicção imortal é tão pulsante, como parece ser, por que,
então, se preocupar “nos 45 do segundo
tempo” com o recrudescimento da doença no país? Por que tomar as decisões
que deveriam ter sido tomadas lá no início? Por que acreditar que, agora, elas seriam
eficientes e mudariam o curso da história?
Ora, as estatísticas só chegaram
ao ponto em que estão porque além de todas as estratégias erráticas até aqui, muitos
continuam resistentes as orientações mais simples de prevenção, ou seja, uso de
máscaras, distanciamento social, higienização das mãos com água e sabão ou álcool
em gel. Então, a preocupação tardia, a essas alturas do campeonato, é inócua. A
escolha por ficar no atraso, no bloco dos retardatários, foi da gestão pública
e seus asseclas.
Por enquanto, a variante indiana
parece restrita a alguns poucos casos no estado Maranhão. Acontece que no
restante do país, a curva de estabilidade da doença, que já se configurava em
patamar bastante elevado, voltou a subir e despertar atenção para uma terceira
onda de agravamento. Estamos de volta ao sobressalto, ao risco iminente do
colapso no sistema de saúde, a insuficiência de medicamentos, ... ao caos.
Tudo acontecendo as portas do
inverno nacional, quando as temperaturas caem, na maior parte do país, e por
essa razão, a presença em ambientes fechados favorece as doenças virais,
bacterianas e fúngicas se manifestarem com mais intensidade.
Sem falar, na probabilidade do racionamento
de água, em muitos municípios, decorrente da escassez de chuvas no período de
outono/inverno que diminuem drasticamente o abastecimento dos reservatórios, ou
seja, mais um obstáculo para a higienização correta da população,
especialmente, aquela mais vulnerável.
De modo que ao deparar com a
notícia de que o Instituto Para Métricas de Saúde e Avaliação (IHME), da Universidade
de Washington, nos EUA, projeta um cenário sombrio para as mortes pela
COVID-19, no Brasil, dentro dos próximos meses 1,
isso aponta claramente para a ausência de um panorama de recuperação da
Pandemia no país.
Ou seja, estamos patinando sobre
os erros sem sairmos do lugar e desconsiderando, totalmente, a complexidade que
envolve as questões de saúde no país, tendo em vista tantas variáveis distintas
que interferem naturalmente nesse processo.
Mas, onde está a surpresa, se o
Brasil nunca levou a sério o Planejamento em Saúde Pública. Basta ver as
epidemias de Dengue, Chikungunya, Zika, Malária, Tuberculose, Sífilis, que
acontecem bem debaixo do nosso nariz e vitimam milhares de pessoas ano após
ano. Sem contar outras doenças que, se não matam em profusão, deixam sequelas
incapacitantes física e socialmente, como é o caso da Hanseníase.
Como se vê, a Pandemia veio
lançar luz sobre essa “verdade
inconveniente”, desnudar os silêncios que tanto mal fazem ao país. Mas,
isso não é tudo. É preciso desconstruir esse modus operandi de governança e se alinhar aos parâmetros da
contemporaneidade científica e tecnológica para assistir adequadamente as
demandas seculares que clamam por aqui. Caso contrário, não tardará o dia em
que o país será varrido do mapa, por qualquer doença tratável, que ele, simplesmente,
optou por fingir não existir.