IDH: o fiel da balança ambiental
IDH:
o fiel da balança ambiental
Por
Alessandra Leles Rocha
Tomando como ponto de partida,
para esta reflexão, os discursos manifestos nesse primeiro dia da Cúpula do
Clima, a narrativa brasileira encontra-se mesmo na contramão do mundo. Ficou
bastante perceptível, como a questão exploratória ultrapassa a ideia dos
recursos naturais renováveis e não renováveis, na medida em que o governo
brasileiro estabelece uma correlação entre a insustentabilidade ambiental e o
baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), para algumas regiões do país.
Na verdade, o que ele faz é
justificar, por meio das atividades exploratórias, sobretudos nas áreas de
grandes biomas, a necessidade dessas práticas para mitigar os efeitos das
desigualdades sociais sobre as populações nativas e mais vulneráveis.
Contrariando, portanto, todas as propostas já consagradas, mundo afora, em
relação as práticas de desenvolvimento sustentável, ou seja, atender as
necessidades da atual geração, sem que haja prejuízo as demandas das gerações
futuras.
Ocorre que o IDH é uma medida para
aferir o grau de desenvolvimento social a partir dos indicadores de educação, de
saúde e de renda (Produto Interno Bruto – PIB), tanto em nível global, quanto
regional e local. Sendo assim, ele reflete particularmente os posicionamentos socioeconômicos
estabelecidos, ou seja, quanto mais desigual forem as propostas, piores serão
os indicadores e por consequência o IDH.
De modo que não é a desigualdade
que leva à exploração, mas o contrário. Afinal de contas, quem detém os
direitos e os mecanismos exploratórios é uma pequena parcela da sociedade que
desfruta de riqueza e poder. O que significa que a população nativa e os mais vulneráveis
socioeconomicamente permanecem nas mesmas condições, apesar da expansão
exploratória sobre os recursos naturais; sem contar, que se tornam mais
expostos aos efeitos nocivos da degradação ambiental.
Mesmo em pleno século XXI, os
exploradores não se importam com a destruição porque eles detêm os recursos logísticos
e financeiros para continuarem sua saga exploratória em áreas ainda
inexploradas. Portanto, se uma área foi esgotada, eles já buscam uma outra para
seguirem explorando. O que visto de cima, pelos satélites mais potentes,
resulta em áreas gigantescas impactadas e de difícil e caríssima recuperação,
quando possível; pois, nem todas as áreas degradadas podem ser efetivamente
recuperadas.
É imprescindível se ter consciência
de que a exploração do meio ambiente, seja de que tipo for – desmatamento,
queimada, mineração, pastagem – compromete o bioma na sua totalidade, pois se
trata de um sistema ecológico integrado, onde cada elemento tem um papel específico.
No caso da mineração de ouro, por exemplo, em que são extraídas toneladas de
terra para apurar o minério há uma perda de cobertura vegetal do solo que leva
ao assoreamento de rios e nascentes.
A utilização do mercúrio, metal
pesado, no processo de separação das pepitas acaba desaguando nos cursos d’água
e contaminando-os de maneira severa, o que inclui todo o bioma aquático da
região. A água e os peixes ficam, portanto, impróprios para consumo pelas
populações locais, sob o risco iminente do desenvolvimento de uma síndrome neurológica
denominada Síndrome de Minamata.
De modo que é nessa teia de conexões
e inter-relações que os prejuízos ambientais, sejam eles quais forem, são
computados. Daí a impossibilidade de se olhar a questão de forma fragmentada e pontual.
Enquanto o explorador tem um enriquecimento aparente e momentâneo, a população
local só tem perdas. Primeiro, porque ela é explorada como mão de obra barata
nesse processo. Segundo, porque ela perde a possibilidade de usufruir de alguma
subsistência oriunda do meio ambiente local, incluindo a água, em decorrência dos
procedimentos não sustentáveis e da contaminação. Por fim, porque ela acaba
desassistida nos seus direitos fundamentais, pelos gestores públicos, quando
ela precisa de algum atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou algum
benefício pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Trata-se de um assunto tão grave
e urgente, que em junho de 2020, o secretário-geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), manifestou no Dia de Combate à Desertificação e à Seca (17/06)
que “cerca de 70% dos solos terrestres
foram transformados pela atividade humana” e era necessário “trazer soluções
para uma ampla gama de desafios desde a migração forçada e a fome até as
mudanças climáticas” 1. Afinal, a consequência
mais imediata disso é que “a saúde da
Humanidade depende da saúde do planeta”, na medida em que, a degradação dos
solos já afeta cerca de 3,2 bilhões de pessoas em todo o mundo.
Como se vê, então, não há como compatibilizar
práticas exploratórias e de degradação com a sobrevivência humana. O planeta é
uma estrutura indissociável e limitada; por isso, somente pelos esforços
conjuntos de todos em nome de um desenvolvimento sustentável torna-se possível
pensar em não colapsar. Por mais que as mentes humanas sonhem com a infinitude
do espaço sideral, com as viagens interplanetárias, quiçá, com a colonização de
outros planetas, essa realidade não nos alcançará.
Temos que ser realistas e
prudentes. A única casa que temos é a Terra. Essa história de “justificar tragédias
como “vontade divina” tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”
(Umberto Eco – escritor); mas, não muda a verdade dos fatos. Como tão bem explicou
Cora Coralina, “mesmo quando tudo parece desabar, cabe em mim decidir entre rir
ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar, porque descobri, no caminho incerto
da vida, que o mais importante é o decidir”. Então, é bom se apressar na
decisão; porque, por enquanto, a humanidade convive com migrantes, sem tetos,
sem lares; mas, antes do que possa imaginar, pode ela ficar sem planeta para
habitar.