Desapego... Nobre lição do bom senso

 

Desapego... Nobre lição do bom senso

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Sem dúvida muitos se surpreenderam com as palavras do Papa em relação ao fato de que “pessoas homossexuais têm direito de estar em uma família” e, portanto, “o que precisamos criar é uma lei de união civil” 1. Mas, para mim, não houve surpresa. Francisco foi genuinamente franciscano, na pureza de um olhar que enxerga o ser humano desapegado de rótulos, convenções e preconceitos mundanos.  

Ah! Quisera o mundo exercitar essa simplicidade que advém do bom senso! Desapegar-se de inutilidades para considerar somente o essencial. Aliás, como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” 2. Isso nos possibilitaria coexistir em um mundo muito mais humano. Sem guerras ou violência. Sem fome ou miséria. Sem excessos ou luxos desnecessários. Sem cobiça ou ganância. Porque se partiria da premissa de abandonar os apegos que acorrentam a alma humana.

A atitude do pontífice no fundo não diferiu em nada do próprio Cristo. O Nazareno era a manifestação sublime do desapego em todas as instâncias. Não fazia distinções, não impunha condições, não exigia nada dos que quisessem segui-lo; pois, ele próprio só dispunha do amor e da palavra para oferecer ao outro. Talvez, em razão disso, pode transitar com tanta serenidade entre as pessoas de seu tempo; apesar, dos desafios que isso lhe custou.

Mas, residente na paz que habitava seu corpo, sua alma e sua consciência ele seguiu firme suas convicções. Porque a incompreensão do mundo não distingue o apego ou o desapego, existe e resiste por mera questão de escolha. Sendo assim, melhor viver sob preceitos humanitários, altruístas, fraternos do que se perder por descaminhos dolorosos e que não levam a lugar algum.

O desapego busca a essência. Abstrai a casca para revelar o valor da semente. Chegamos a esse mundo sem nada e partimos dele da mesma forma. O que buscamos ser e construir nessa jornada é o que fica enquanto legado. Mais erros e tropeços... Mais acertos e evolução... Escolhas a serem feitas a partir do bom senso que norteia a abstenção de apegar-se em coisas vãs. Como disse São Francisco de Assis, “Tome cuidado com a sua vida, talvez ela seja o único evangelho que as pessoas leiam”.

Com atenção se percebe que tantos apegos não passam de artifícios, de expedientes a fim de nos proteger de nós mesmos, sem que soubéssemos, exatamente, quais seriam as ameaças de fato. O mais plausível, quem sabe, o temor pela “lei do retorno” que pode nos dimensionar a própria insuficiência pela perspectiva do outro. Sim, tantos dedos em riste para o mundo até que eles se voltem para nós e nos façam reconhecer a matéria em franca construção que somos cada um de nós. Repletos de imperfeições. De incapacidades. Do Bem e do Mal. De alegrias e tristezas. De derrotas e vitórias. ...

Quando se olha para o indivíduo apenas como ser humano, então, de algum modo se resgata o sagrado. O ser humano em si é como o anjo que não tem sexo, não tem idade, não tem estereótipo; é tão somente a figura banhada nas bênçãos de Deus. É o ser que vive as aventuras e as desventuras do mundo, na busca pelo seu lugar ao sol, pelo seu alento, pela sua dignidade. O ser humano somos todos nós, por isso mesmo não deveria ser preciso que as leis nos dissessem isso. Afinal, essa condição existencial nos promove igualdade e equidade, transcendendo quaisquer distorções interpretativas a respeito.

As palavras do Papa Francisco, portanto, vão além de si mesmas, trazendo-nos uma reflexão maior ao nos colocar diante do espelho que nos revela humanos. A verdade, que muitos não querem admitir, é que ninguém é mais ou menos na fila do pão de Cristo. Todos têm os mesmos direitos, os mesmos deveres, pois estão compartilhando os mesmos espaços, o mesmo mundo.  Assim, não nos esqueçamos do que dizia o pai dos franciscanos, “Um ser humano vale o que ele é aos olhos de Deus e nada mais” (São Francisco de Assis).

 

 



2 SAINT-EXUPÉRY, A. de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: Editora Agir, 2009. 

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