Sobre pessoas e pérolas...


Sobre pessoas e pérolas...




Por Alessandra Leles Rocha




Um processo importante que essa Pandemia nos proporciona diariamente é a reflexão. Sei que muitos se abstêm de fazê-lo; mas, para tantos outros é esse o remédio que apazigua a alma. E foi nesses momentos de profundo encontro com as subjetividades humanas que me recordei do belíssimo texto de Rubem Alves, “Ostra feliz não faz pérola” 1.
E pela impossibilidade de discordar do grande mestre, uma alegria esperançosa me invadiu. Quem sabe ao final desse tsunami chamado COVID-19, a humanidade não será um mar de pérolas? Porque a revelia de suas vontades os seres humanos foram feridos no corpo, na mente e no espírito, de maneiras diversas que jamais poderiam supor existir.
Fomos subjugados a um imponderável totalmente desconhecido. Algo nos feriu há alguns meses e nos impõe reagir, ainda que não saibamos exatamente de que maneira fazê-lo; mas, temos que reagir. E é exatamente esse processo que nos tem permitido o exercício do autoconhecimento, dos nossos limites, das nossas flexibilidades, das nossas habilidades,... Uma descoberta a respeito de quem somos debaixo de todas as máscaras visíveis e invisíveis.
Na vida comum sabemos os remédios que nos caem como luvas, os que nos fazem terrivelmente mal, os que são inócuos. Se autoconhecer, então, é a chave para descobrir os melhores caminhos e alternativas de cura para aquilo que nos fere, que nos faz doer, que nos faz sofrer.  De modo que isso é fundamental, na medida em que não temos um dia assinalado no calendário afirmando que a Pandemia chegou ao fim. Por enquanto, só navegamos no mar das incertezas.
E não dá para navegarmos machucados, feridos. A dor consegue nos minar as energias com uma fúria descomunal; por isso, se nada for feito ela nos leva à depressão, à entrega inerte a mais plena inquietude antiproducente. Uma perda do viço que começa pela alma e vai se refletindo em cada diminuta célula do corpo, até fazer parar fisiologicamente para que a vida deixe de doer.
Por isso, se quiser produzir pérolas terá que agir, reagir, lutar com o que de melhor dispõe. Alguém já disse que “o jogo só acaba quando termina”, então... A sociedade reclama tanto das suas mazelas. Ocupa-se tanto em colocar na porta do “outro” as próprias responsabilidades, os próprios defeitos,... Chegou a hora de rever seus comportamentos, seus conceitos. Se reinventar. Aprender a produzir pérolas e saber exatamente o valor delas, para não sair por aí, lançando-as inadvertidamente aos porcos.
Não há oportunidade mais profícua. Fomos feridos. Estamos sensibilizados. A dor paira sobre cada um e se propaga em ondas chorosas. Então, não basta anestesiar a dor de uma ferida aberta.  É preciso ressignificar tudo isso de uma maneira cicatrizante, edificante. Talvez, começando pela empatia que solidariza e aconchega. Porque o afeto que permite a alguém se colocar na posição do “outro” se traduz de muitas maneiras.
Assim, as pérolas começam a emergir. Isso não significa que a vida vai circular sem altos e baixos ou desafios; mas, que há uma possibilidade concreta dela transitar com mais leveza e sabedoria. O ser humano é incompleto, é incorreto, é falível; mas, por trás de cada pérola que ele consegue produzir há uma dose imensa de evolução, de aprendizado, de consciência. De modo que elas passam a sinalizar novos caminhos, novas possibilidades para se percorrer e isso tem um efeito multiplicador fantástico.
Portanto, reflita “uma pérola é um templo construído pela dor à volta de um grão de areia. Que nostalgia nos construiu o corpo e à volta de que grãos?” (Khalil Gibran). Espero que, até o fim dessa Pandemia, a humanidade consiga trazer uma boa resposta a essa pergunta ou, pelo menos, se disponha a tentar respondê-la.  

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