Ao soar do gongo...
Ao
soar do gongo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Olhando para o mundo e “pondo
reparo”, como orientava José Saramago 1,
sinto como se o palco da vida tivesse se transformado em um gigantesco ringue
de luta, no qual a Verdade e a Pós-Verdade encaram um desafio vigoroso,
semelhante aqueles dos tempos do Balboa 2. A cada round da luta um dos
desafiantes se sobressai, arrastando a disputa e machucando o adversário sem
piedade, só para ver quem fica de pé até o final.
E digamos que a Pós-Verdade
parecia estar abrindo vantagem, valendo-se dos jabs desferidos com o
auxílio de Fake News prontamente desenvolvidas para “causar”. A luta
estava mesmo tendendo a atrair a atenção da opinião pública muito mais pelas
emoções exacerbadas, do que pelos fatos concretos e objetivos.
Mas, eis que os árbitros
verificaram que os golpes haviam ultrapassado os limites da cintura e decidiram
intervir, advertindo severamente a Pós-Verdade e sinalizando que eventuais reincidências
poderiam levá-la a eliminação.
Com a luta parada momentaneamente,
a Verdade reencontrou fôlego e energia para reassumir seu protagonismo. Abriu a
paleta de acontecimentos recentes, traçou os quadros comparativos, conectou as
ideias e fez os punhos vibrarem aos movimentos. E aí sobraram hooks,
uppercuts, swings e crosses. Para ninguém duvidar do seu poder de reação e
confronto.
De olhos e cabeça inchada, nesse
momento a Pós-Verdade está nas cordas. Cambaleante frente à Verdade. Seus
movimentos não conseguem manter a construção de uma narrativa condizente. Jabs e diretos são lançados ao vento e tomam
respostas imediatas. É quase um revival de Rocky 4 3, quando todos os artifícios e
tecnologias do adversário são derrotados pela genuína força e obstinação de Balboa.
Eu sei que na vida real a luta vigente
ainda promete muitos rounds. Mas, acredito no potencial
da Verdade. O que significa poder enxergar pelo prisma dos fatos, nus e crus, e
de suas entrelinhas.
E nesse caso, as imagens contribuem
de maneira decisiva, elas dizem mais e melhor que quaisquer palavras; bem como,
são capazes de trazer uma linearidade ao pensamento que proporciona uma clareza
sem igual. Imagens são profundamente reveladoras; sobretudo, se bem observadas.
É nesse ponto que as narrativas da
Pós-Verdade se esgarçam. Especialmente quando elas se fundamentam pela
manifestação das inverdades, dos boatos, dos ficcionismos, das desconstruções
equivocadas, dos ilusionismos, enfim.
A Pós-Verdade não sustenta a
própria chama, queima alto; mas, queima rápido. Talvez, seja por isso que o
provérbio diga “a mentira tem pernas
curtas”. Na sua brevidade temporal ela cumpre o papel de atrair olhares,
despertar atenções, fazer rir ou chorar; mas, quando a Verdade encaixa o golpe,
aí não tem jeito. É lona.
No entanto, na plateia sempre restará
um público dividido assimetricamente. Aqueles que desde o início estiveram ou ao
lado da Verdade ou ao lado da Pós-Verdade. Aqueles que mudaram de lado, segundo
o movimento da luta. E aqueles que preferem não se posicionar, sob um inexistente
princípio de neutralidade. Talvez, aguardando o que reservam os próximos rounds.
Nessa assimetria, a luta dos
séculos vai tecendo suas conjunturas, dobrando as suas apostas, ganhando e
perdendo rounds, extenuando a plateia, arrancando publicidade,... Mas,
como no cinema, ela ensina e deixa reflexões importantes. Se na dúvida entre
qual lado ficar, Verdade ou Pós-Verdade, qual deles lhe trará mais ou menos prejuízo,
só não se esqueça de que no fim das contas “não se lembrarão de você, se lembrarão da
sua reputação” (Rocky Balboa).
1 “Se puderes
olhar, vê. Se podes ver, repara. Retrato do desmoronar completo da sociedade
causado pela cegueira que aos poucos assola o mundo, reduzindo-o ao obscurantismo
de meros seres extasiados na busca incessante pelo poder”. (Ensaio sobre a Cegueira)