O que fizemos daquilo que fizeram de nós?


O que fizemos daquilo que fizeram de nós?




Por Alessandra Leles Rocha





Mexe daqui. Revira dali. De repente tem ficado cada vez mais visível às influências do passado sobre a realidade contemporânea. Não se trata de um breve retorno histórico há algumas décadas; mas, há séculos. Nos idos tempos do Colonialismo.
Quaisquer países que tenham experimentado a sina de surgir sob os grilhões das Metrópoles europeias sabem disso. Ser Colônia cobrou preços tão altos que se desdobram até os dias atuais; especialmente, porque muitas dessas marcas compõem o subjetivo, o imaterial da identidade sociocultural e comportamental das nações. O colonialismo acirrou as dicotomias, as linhas divisórias, não só entre a Colônia e a Metrópole; mas, especialmente, entre os habitantes subjugados.
Foram tempos de um severo aprendizado de obediência, de submissão, de tutela, que construíram uma ideia bastante equivocada de passividade, na qual isso ou aquilo chegariam pelas mãos ou ações de outros. Nada de demandar esforços. Nada de remar contra as marés. Quase na base de “o que tiver de ser, será”. Sem se dar conta da extensão dessa subserviência, as pessoas reclamam, mas não agem no sentido de promover quaisquer rupturas e transformações.
Reclamar vira, então, um “meio de vida”, um jeito de se vitimizar a espera que alguém se compadeça e resolva a situação. Por isso, muitas coisas são postergadas ad eternum. Nesse contexto, também, é certo que os mal feitos e as lambanças acabam se beneficiando; contando com a inatividade do outro para uma resposta mais efetiva, mais contundente.
Observando, então, o transcorrer desse processo não é difícil entender por onde se fiam as raízes da judicialização brasileira. As próprias tramas da convivência e coexistência social foram construindo conjunturas incapazes de serem arbitradas e resolvidas pela simples aplicação dialógica do bom senso, do respeito e das diretrizes e regras gerais previstas pela legislação vigente.
Ninguém quer assumir a responsabilidade, o protagonismo, a cidadania. Todos querem direitos; mas, não querem deveres. Aí, recorrem ao terceiro elemento. Entretanto, a judicialização não extingue o problema, como pode parecer. A Justiça responde; mas, não efetivamente consegue oferecer o resultado esperado, porque as leis estão no campo da subjetividade e dependem de fatores externos para se materializarem.
Vejam, por exemplo, as liminares concedidas em favor da transferência de pacientes em estado grave para Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Inúmeras vezes, de posse da decisão judicial favorável, os pacientes morrem pela total impossibilidade de cumprimento da ordem pelo Estado ou Município. A judicialização preencheu o espaço vazio de uma comunicação; mas, não o suficiente para dar-lhe a utilidade essencial.  
Mesmo assim, tamanho é o esgarçamento social, visto que cada ser humano se abstém cada vez mais de seu papel cidadão e, por consequência, da sua responsabilidade, que a judicialização vai crescendo como único mecanismo de solução para todos os problemas, dos mais simples aos mais complexos. Ao abdicar da capacidade conciliatória, as partes conduzem os caminhos para o litígio, o que se pode entender como uma manifestação subliminar de outorga de sua vez e de sua voz “a quem possa interessar” a resolução.  
Entretanto, os tempos coloniais na prática não existem mais. Mas, ainda sim, há quem insista na espiral da judicialização. Talvez, para fazer dela uma “bengala” de correção a essa eterna ausência de autonomia e autoralidade cidadã, oriundas das reminiscências temporais. Talvez, pela incapacidade real e prática de resolução, diante das grandes complexidades do mundo. Mas, qual seja o motivo, isso não é positivo. Afinal, a judicialização vai sempre desenvolver uma demasiada sobrecarga de processos, a qual não só impedirá o fluxo natural dos trâmites legais; mas, também, a celeridade das respostas mais urgentes. É como diz o provérbio, “quem quer faz, quem não quer manda".  

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