Sabe o que é que cansa?


Sabe o que é que cansa?




Por Alessandra Leles Rocha




Basta uma gota de lucidez correndo pelas veias, para logo se dar conta de que o difícil não é o isolamento social, não são os excessos nos cuidados com a higiene,... não é o COVID-19. O que cansa, desgasta, irrita e leva a um desconforto infinitamente grande são as inúmeras atitudes anômalas de alienação que teimam em insistir em algo que não existe mais.
Um vírus, um ente biológico foi o único responsável por essa grande ruptura social que se estabeleceu nos últimos meses, mundo afora. Ele não lê, não fala, não dialoga, não envia ou recebe memorando...; mas, determina a extensão dos estragos materiais e humanos que a sociedade já computa e ainda irá computar. Ele resgatou o instinto de sobrevivência e o limiar tênue que existe entre a vida e a morte. Ele subverteu a lógica das necessidades contemporâneas e cria lentamente as conjunturas que irão tecer uma nova Ordem Mundial.
Por isso, o que acontece agora não reflete mais do que pirotecnia inútil. A belicosidade destemperada, que se espalha feito rastilho de pólvora, não faz outra coisa senão acentuar a incapacidade de entender a inexistência de algo prático a se fazer nesse momento. Na cachoeira bufando, com as correntezas arrastando tudo que veem pela frente, ou você solta o corpo e se deixa levar pelas águas ou morre afogado.
O tempo agora é de esperar. Aguardar o fluxo natural desse processo novo e imprevisível. O que não significa a passividade mórbida coletiva; mas, a consciência de que mais ajuda quem menos atrapalha. Começando pela consciência de que vidas não são estatísticas e, por isso mesmo, elas merecem respeito, solidariedade, compaixão, empatia. A ausência de um critério de escolha por parte do vírus faz de cada um a bola da vez, sem a menor cerimônia; por isso, a necessidade de um trabalho efetivamente cooperativo e altruísta.
Ainda que o mundo pudesse se dar ao luxo de dispor de todos os meios materiais e humanos para tratar e combater o vírus, há uma verdade inconveniente batendo à porta que é a transmissão, o contágio.  Sob o manto da invisibilidade etérea do ar ele age sorrateiramente. Em segundos ele pode contaminar milhares simultaneamente.  Basta que um não seja testado ou não apresente sintomas para que a propagação siga, portanto, sem controle. Aliás, Isso me faz lembrar uma campanha publicitária no auge da epidemia do HIV que dizia “Quem vê cara não vê AIDS”.
Porque na verdade esse slogan serve para quaisquer vírus, incluindo o COVID-19. De modo que esse é o desafio imposto à sociedade mundial nesse momento do século XXI. Impedir que milhões de seres humanos morram ou adoeçam com gravidade é a questão absoluta de ordem. Nada é mais importante do que isso. Nada.
Até que se possa acenar com um prognóstico mais favorável e menos lentamente decisivo é nisso que todos os esforços mundiais precisam se concentrar. Portanto, ainda que a contragosto de muitos, a verdade é que o COVID-19 retirou o direito de a humanidade ser mesquinha, avarenta, ignorante, irascível etc. Todos estão sob uma mesma jangada se equilibrando em mar revolto. Manter os apegos, então, não faz mais sentido. É muito dispêndio de energia à toa. Quando a situação se apaziguar... veremos.
Por enquanto, pense e reflita. Olhe para dentro de si mesmo. Perceba o mundo ao seu redor e veja como ele realmente é, sem lentes cor-de-rosa, sem tendenciosidades, sem fantasias, sem adereços. Reveja suas listas, suas metas, suas demandas. Desconstrua a vida em nome da verdade, da significância, do que é realmente importante. Enfrente as emoções e os sentimentos de alma aberta.  Assim, você já estará contribuindo, e muito, na dispersão da paz, do equilíbrio, do bom senso e de tantos outros valores fundamentais nesse período de tão intensa transformação e ressignificação global. Afinal, “Este é o tipo de coisa que você vê se você se sentar na escuridão com os olhos abertos, sem saber o futuro” (Margaret Atwood).

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