A vida nos tempos do “copiar / colar”

A vida nos tempos do “copiar / colar”



Por Alessandra Leles Rocha



Quando as pessoas começaram a se valer do “control c / control v”, a sociedade deveria ter se atentado para as entrelinhas desse processo. Afinal, além da mera comodidade, tal prática não é apenas uma questão ética de se copiar e colar informações de terceiros, sem dar-lhes tantas vezes o devido crédito e usurpar-lhes o direito intelectual; mas, inadvertidamente, valer-se dela sem ao menos conhecer exatamente o teor daquilo que está sendo utilizado, o que é facilmente descoberto pela simples inadequação de conteúdo ao contexto. E é aí, nesse ponto, que se encontra o verdadeiro cerne do problema.
Lendo a matéria “Somos cada vez menos felizes e produtivos porque estamos viciados na tecnologia”, publicada ontem no site da BBC News Mundo 1, comecei a refletir sobre essas questões. Ao sermos “abduzidos” pelas diferentes formas de tecnologia presentes no mundo contemporâneo, caímos em certo tipo de armadilha e nos afastamos para longe da fronteira do bom senso e do equilíbrio.
A incapacidade de responder a todos os apelos e atrativos do mundo tecnológico tem feito com que as pessoas sejam “escravizadas”, a tal ponto que, cansadas mental e até fisicamente se rendam ao não pensar, não questionar, não refletir, seguindo um fluxo coletivo; mas, não representativo de si mesmas.
Gradativamente elas se tornam poços de superficialidade cognitiva e intelectual, e isso as leva a uma mecanização comportamental, um tipo de reprodução contínua de interesses, ideias e valores estabelecidos pelo sistema no qual estão inseridas. É como diz a canção “Admirável chip novo”, da cantora Pitty 2, “Pense, fale, compre, beba/ Leia, vote, não se esqueça / Use, seja, ouça, diga / Tenha, more, gaste e viva...”.
Tendo em vista, então, de que as informações não chegam mais apenas por um caminho, mas por vários, e simultaneamente, seria necessário mais atenção no que diz respeito aos multiletramentos. A multimodalidade no campo do letramento requer outras habilidades de leitura, interpretação e comunicação; além da necessidade da capacidade crítica enquanto ferramenta para interação social, participação na produção linguística e construção de sentidos dessa linguagem. Assim, esse conceito permite a compreensão de novos e complexos usos de várias habilidades da linguagem.
Mas, o que se vê por aí, são exemplos infinitos do péssimo hábito de ler as manchetes em detrimento do conteúdo ou obter informações apenas pelas redes sociais.  Em grande parte, talvez, pela desqualificação e difamação maciça dos meios de comunicação convencionais – jornais, revistas, televisão – ocorridas em diversas partes do planeta. Sem contar as inúmeras tentativas de supressão de livros sobre os mais variados assuntos, apenas por conta da divergência de conteúdos, opiniões e resultados.
Diante dessa deterioração nos processos de comunicação há, portanto, uma manifestação crescente de vulnerabilidade quanto às Fake News e à polarização ideológica entre grupos extremistas, que já reflete prejuízos em diversos campos da sociedade. Não só pela limitação do saber; mas, pela corrosão da capacidade comunicativa das pessoas e construção de obstáculos nocivos à consolidação do seu lugar de fala.
De repente, o mundo está diante de milhares de possibilidades de comunicação; mas, não sabe o que dizer, quando dizer, porque dizer e, sobretudo, a quem dizer. O discurso de que a tecnologia além de pensar por nós, resolver todas as nossas dúvidas e, ainda por cima, nos agregar; infelizmente, não passa de aparência equivocada. O controle social exercido por esses instrumentos tecnológicos nos aprisiona e nos coloca em estágio de dormência; daí, a ocorrência de parte da nossa infelicidade.
O vício em tecnologia a que está submetida à sociedade retira dela a identidade individual e constrói uma identidade coletiva manipulável. De modo que o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre tinha mesmo razão quando afirmou, “O importante não é o que fazemos de nós, mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós”.
Infelizmente, o “copiar / colar” do computador foi transferido para a realidade cotidiana, em um campo mais profundo: a vida. Não é à toa que haja tantos Digital Influencers por aí. Daí a urgência em se resgatar a autonomia e a autoralidade existencial que são o caminho do protagonismo consciente para o ser humano. Isso se, ainda lhe restar alguma pretensão quanto a encontrar a sua própria felicidade.  Porque ser feliz é requisito, antes de tudo, para a saúde mental!

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