Um pouco de lucidez e de bom senso


Um pouco de lucidez e de bom senso




Por Alessandra Leles Rocha




É uma pena que o Brasil venha arrastando ao longo dos seus séculos de existência um comportamento indiferente à sua cidadania. Desde cedo, a educação brasileira pouco contribui na efetividade de uma formação cidadã que faça com que as pessoas entendam o significado disso e as repercussões e desdobramentos oriundos de uma carência a respeito.
Não é à toa que os discursos tortos e tendenciosos, assim como as Fake News, se disseminam feito rastilho de pólvora e prestam um desserviço descomunal para a sociedade. Muitas vezes hipnotizadas pelas manchetes, as pessoas constroem formulações rasas e equivocadas sobre questões importantes, as quais mereciam um pouco mais de atenção e reflexão; bem como, de lucidez e de bom senso. Mas, se agem assim diante de assuntos banais e corriqueiros, não seria diferente com aqueles complexos; visto que, a força do hábito já se cronificou.
Sem contar que muitos se deixam levar mesmo é pela opinião coletiva, para não precisar nem despender algum tempo com leitura diária da mídia. Relembrando as palavras do grande dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”; então, um comportamento desses só reforça os riscos de consequências desastrosas para o país. Pensar que assim o ser humano se exime de responsabilidades é uma grande bobagem, na qual apenas se oculta uma imensa ignorância. Afinal, você não faz jus ao seu senso crítico e reflexivo, mas referenda o dos outros; o que, na prática, representa uma corresponsabilidade pelos resultados.
Por isso, pensar a respeito tornou-se cada vez mais fundamental. Há algum tempo, talvez nessa década com mais intensidade, a vida tem caminhado rumo a uma judicialização de tudo, como mecanismo de solução efetiva ou, pelo menos, parcial. Nesse contexto, a Constituição Federal que, por tempos, desde sua promulgação em 1988 era objeto somente de profissionais da área do Direito, ganhou destaque entre a população comum.
Com o interesse pela Carta-Magna fez-se estabelecer certo vínculo entre cidadão e os princípios que lhe garantiam essa denominação. De repente, uma pergunta não queria mais se calar: é ou não é constitucional? E ninguém melhor para responder do que os guardiões da Constituição, os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O que, também, os aproximou de algum modo da população que passou a conhecê-los a partir de suas aparições e manifestações junto à imprensa.  
Tendo em vista que esse processo de “convivência” não aconteceu respaldado por um conhecimento melhor fundamentado, ruídos nessa comunicação passaram a existir e se intensificar; sobretudo, diante de temas polêmicos, causando vez por outra insatisfações declaradas e manifestas, bem como, questionamentos e atitudes visivelmente agressivos. O que é ruim porque isso representa uma tendência a se construir uma visão idealizada da Justiça, com uma expectativa que ela responda exatamente na especificidade desejada por cada cidadão.
Ora, reza a Constituição de 1988 que vivemos sob um Estado Democrático de Direito, ou seja, individual e coletivamente todos nós estamos submetidos às normas jurídicas brasileiras – constituição, emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Daí o alto grau de complexidade no exercício da Justiça.
Tudo precisa, então, ser observado e respeitado, segundo a vigência das normas e considerando a noção hierárquica e de subordinação existente entre elas, especialmente, para manter o controle de constitucionalidade; visto que, elas são propostas à luz da Constituição em vigor.    
Caso contrário, o direito de um ou de alguns se torna ameaçado de nulidade, caso as interpretações se guiem por caminhos outros que descumpram, de maneira flagrante, o que está fundamentado nessas normas. Além disso, a observância dos ritos no direito é fundamental para que, também, se evitem gastos desnecessários e uma morosidade perniciosa.
As peças jurídicas, portanto, devem ser sempre elaboradas com critério e responsabilidade, de modo que se propicie o mínimo possível de contestações infundadas e protelatórias, as quais só fazem impedir o fluxo satisfatório do curso judicial. Pois, segundo Rui Barbosa, “Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar contornos definidos e inequívocos à condição que o limita”.
E quão importante é isso. Já dizia o dramaturgo e poeta romano Publius Terentius Afer, “quanta injustiça e quanta maldade não fazemos por hábito!”. Na pressa imprevidente de acalmar o clamor da opinião pública ou em demonstrar o nível de desempenho no trabalho judiciário, quantos não se deixam enredar pela tentação de se corrigir um erro por meio de outro(s), enviesando os ritos e os caminhos de análise. Basta consultar quantos erros judiciais compõem as páginas da história nacional.
Então, é fundamental separar “o joio do trigo”. Tudo o que fere a harmonia e o equilíbrio da sociedade está sempre apto a ser punido e corrigido, segundo a gravidade e pelos instrumentos jurídicos cabíveis. Ele não se extingue na desobediência dos ritos e deve ser apurado, a fim de que se chegue a uma absolvição ou condenação, robusta de fundamentação e elementos comprobatórios.
Agora, em relação aos ritos, quando executados de maneira inapropriada e/ou incorreta precisam ser prontamente reparados, para que não se abra espaço para uma sinalização pública equivocada, de que “os fins justificam os meios”, deixando transparecer algo que nem de longe pode ser entendido como justiça.   
Que essas breves considerações sejam capazes, então, de demonstrar porque precisamos conhecer e aprender todos os dias sobre a nossa cidadania. Afinal, como afirmava Aristóteles, “não é sempre a mesma coisa ser um bom homem e ser um bom cidadão”.

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