Primaveras...


Primaveras...




Por Alessandra Leles Rocha





Como bem escreveu a poetisa Cecília Meireles, “aprendi com as primaveras a me deixar cortar e voltar sempre inteira”. Muito mais do que a estação das flores, a Primavera tem sim, esse status de mensageira da esperança em tempos de caos. Nenhuma primavera é igual à outra; mas, em todas há a convicção de que a vida retoma pelas mãos a sua essência e floresce apesar dos pesares.
O tempo que precede à Primavera lhe dá o tempo necessário à metamorfose; um balanço vital, talvez. Ou seria um tempo de desapego, de desaprender para aprender novamente, de ressignificar, de reorganizar a ordem frente à desordem. Por isso, antes dela tudo é silêncio, ou quase. A atmosfera paira nuances de melancolia e solidão tão necessárias as mais profundas reflexões e transcendências humanas. Do rescaldo cinzento das fuligens espera-se o renascimento.
Mais do que nunca essa Primavera fará jus a tal processo. Antes dela tudo ardeu pelas labaredas imensas. Fogo e fumaça fizeram queimar os olhos do corpo e da alma. Consumiram o oxigênio com uma voracidade sem precedentes. Interromperam o fluxo natural da natureza e da nossa própria transformação. De modo que a própria primavera fosse colocada em risco pela incerteza de não sabermos o quanto dela sobreviveria à tamanha fúria investida.
Então, quando observamos as primeiras flores a vicejar pelos jardins respiramos aliviados, ao mesmo tempo aprendemos que a Primavera é, antes de tudo, um ato de resistência. Por mais impactante possa ter sido a experiência que lhe antecedeu, ela faz do mínimo remanescente o bastante para impulsionar-lhe adiante para manter vivo o seu instinto de sobrevivência.
O que foi perdido, não se lamenta. A primavera sempre soube, antes de qualquer um, que “não são as espécies mais fortes que sobrevivem, nem as mais inteligentes, e sim as mais susceptíveis a mudanças” 1, por isso as que não sobreviveram abrem espaço para que outras mais resistentes possam dar continuidade ao equilíbrio natural. Assim, a Natureza vai reaprendendo a viver com o pouco que lhe resta a cada investida ruim; afinal, nela “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” 2.
Observando, então, o caso do Brasil, em meio as piores perdas naturais que se abateram sobre o país nos últimos meses, eis que a Natureza ressurge mitológica das próprias cinzas, na exemplificação do belo espetáculo da floração dos ipês, os quais são importantes representantes da resistência e durabilidade vegetal 3.  Uma visão que reabastece de esperança em relação às longas extensões de terra devastadas e queimadas. Sempre haverá uma Primavera.
Mas, enquanto tudo está como está, havemos de refletir profundamente a respeito. Havemos de renascer pela luz dos olhos da Primavera que chega e da qual nossa sobrevivência está tão intimamente ligada.  Ora, quem não se rende ao frescor da sombra de uma árvore frondosa nos dias de calor ou de um jardim repleto de flores a colorir a paisagem? Há, inclusive, quem diga que fazer aniversário é contar uma primavera.
Caro (a) leitor (a), a natureza é parte da nossa saúde física, mental e espiritual; por isso, quando quebramos abruptamente os ciclos biológicos e comprometemos o seu equilíbrio não estamos agindo somente contra ela.
Se os desequilíbrios causam doenças ao corpo humano, eles também adoecem o Meio Ambiente; de modo que, espécies são extintas, a produção de alimentos diminui ao ponto de desaparecer, os mananciais hídricos secam, o ar se torna irrespirável, enfim... 
Portanto, inspirada pela Primavera e pelas palavras de Mário Quintana 4, deixo a seguinte mensagem: “o que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente. E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver”.


1 Citação de Charles Darwin (1809-19882), naturalista inglês e autor da teoria da “Evolução das Espécies”.  
2 Antoine Laurent de Lavoisier (químico francês).
4 Mário de Miranda Quintana (1906-1994) foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro.  

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