Inverno. Seca. Desmatamento. Queimada. Mosquito. Dengue. Epidemia...
A
complexa teia da (ir)racionalidade
Por
Alessandra Leles Rocha
Inverno. Seca. Desmatamento.
Queimada. Mosquito. Dengue. Epidemia. Não, não estou propondo um exercício de
análise morfológica e, nem tampouco, um ditado. Por incrível que possa parecer, essas palavras
todas se conectam de maneira importante e é preciso, então, dar-lhes um pouco
mais atenção e começar a pensar a respeito.
Há tempos que os
invernos no Brasil, especialmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, têm
apresentado irregulares e baixíssimos índices pluviométricos. A seca se acentua
de tal forma que coloca em risco a qualidade do ar, devido às baixas
concentrações de umidade. Especialmente as tardes nessas regiões assemelham-se
aos desertos e a população padece os inconvenientes fisiológicos desse fenômeno
– dor de cabeça, náusea, dificuldade de alimentação, necessidade ampliada de líquidos,
elevação da temperatura corporal, desidratação etc.
No contexto da
geografia, esse processo colabora para a redução dos cursos d’água, dado a
intensificação da evaporação. Rios, lagos, reservatórios, poços, tudo o que
contém água passa a perceber a rápida redução dos volumes e a necessidade de
campanhas contra o uso indiscriminado e não racional desse recurso natural.
De pequenos a
grandes municípios, incluindo suas zonas periurbanas e rurais, diante da
gravidade da situação climática, então, começam a desenvolver estratégias de
sensibilização e orientação da população, de modo que não lhes falte água para
satisfazer adequadamente as necessidades básicas e de higiene.
No entanto, não bastassem
à organização natural do clima ao redor do globo – ventos, correntes marítimas,
chuvas, granizo, insolação etc. -, fenômenos de ordem antrópica vêm acentuando
a escassez de água, especialmente nos períodos de inverno. Em relação ao
Brasil, essa baixa incidência pluviométrica favorece ao preparo do solo para o
plantio das lavouras; mas, quase sempre vem seguida pela prática histórica da
queima, vista ainda nos dias atuais como uma ferramenta fitossanitária de baixo
custo.
Mas, como o fogo é
sempre o fogo, arde além de si mesmo, as queimadas acabam ocasionando a perda
de um espaço vegetal muito maior do que o esperado. Tendo em vista que o espaço
geográfico agricultável e de pecuária brasileiro se entremeia pelos biomas
nativos do país, quase sempre as unidades de conservação 1
são atingidas.
Aí, embora a
estação climática aponte a deficiência de água, milhões de metros cúbicos se
fazem necessários para apagar os incêndios e minimizar os efeitos da fumaça que
resseca, ainda mais, o ar e prejudica a saúde da população, esteja ela perto ou
distante do local afetado; afinal, os ventos disseminam para longe essa
fuligem. De modo que, a racionalização da água se torna mais imprescindível para
atender a tantas demandas simultâneas.
Já diz o dito
popular “pouca farinha, o meu pirão
primeiro”, a população com medo de racionamentos mais amiúde começa a
armazenar água em casa. Um movimento natural diante da crise hídrica; mas, um
sinal de alerta, quando o assunto é o mosquito Aedes. Transmissor da Febre
Amarela, Dengue, Chikungunya e Zika, ele não seria problema se a análise se
restringisse ao período de seca; pois, sem água para promover a eclosão dos
ovos, o alerta epidêmico se voltaria para os períodos de chuva. Entretanto, milhões
de vasilhames e galões de armazenamento improvisados estão à disposição dos
mosquitos na fase alada e, assim, eles têm as condições ideais de reprodução da
espécie. Não é à toa que os casos de Dengue, esse ano, aumentaram 600% 2.
Por mais que se
promovam dias de conscientização da população, mobilizações nas escolas e
entidades sociais, as necessidades se tornaram concorrentes e conflitantes. Sem
contar, o quão hidratado o paciente vitimado por uma dessas doenças precisa
estar. Isso significa não só a ingestão de líquidos, mas de um ar umidificado e
respirável. Isso significa que um clima alterado é tanto promotor de doenças
como intensificador de sintomas e consequências.
Sabe de uma coisa,
tudo está conectado! Queira você admitir
isso ou não, a verdade da vida é essa. Está longe de ser um mimimi as
discussões sobre a Sustentabilidade Socioambiental, porque disso depende a sobrevivência
do planeta como um todo. Seja do ponto de vista da saúde, ciência e tecnologia,
seja do ponto de vista político-econômico.
Já parou para
pensar que a balança comercial brasileira depende do agronegócio para seu
sucesso e superávit? Então. Negligenciar
as alterações climáticas, por exemplo, coloca em risco também a produção agrícola
que depende de um regime de chuvas equilibrado para, inclusive, não padecer com
as infestações de pragas e parasitas que se beneficiam do desequilíbrio. Quanto
mais defensivos se precisa usar nesses casos, mais contaminados e prejudiciais
à saúde os alimentos se tornam e mais cara a sua produção; visto que, esses
produtos tem cotação em dólar. Quanto mais
secos os meses para os pastos, mais silagem e suplementos são necessários para o
gado. Mais grãos importados de outros países para atender as demandas da
avicultura. Enfim...
De tão simples, palavras
soltas podem não dizer nada; mas, nas suas entrelinhas, a coesão e a coerência de
seu discurso são inabaláveis. O fato de negá-lo não altera essa verdade; mas,
pode, no entanto, agregar-lhe informações que rendam resultados e análises mais
sombrios e devastadores. Como diz o Professor e Filósofo, Mário Sérgio
Cortella, “é necessário cuidar da ética
para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal”;
afinal, “quando o modelo de vida leva a
um esgotamento, é fundamental questionar se vale a pena continuar no mesmo
caminho”.