Entre a saúde e a economia


Entre a saúde e a economia



Por Alessandra Leles Rocha




Até que a ciência alcance o cotidiano das pessoas, ou a tecnologia nos assombre com seu arrojo, a vida sobre a Terra impõe desafios, às vezes, nada fáceis de enfrentar. E não é surpresa para ninguém que os caminhos para que essa realidade se torne disponível e acessível é longo e difícil; pois, geralmente esbarra em questões de ordem política e econômica.
No campo da saúde, por exemplo, esse caminho é bastante perceptível. A biotecnologia e a bioengenharia avançam diariamente para atender as demandas de inúmeras doenças presentes na raça humana; mas, muito do trabalho que é produzido ainda é restrito para uma pequena parcela da população, por conta dos elevadíssimos custos.  Não é à toa que portadores das chamadas Doenças Raras 1, no Brasil, precisam recorrer constantemente ao Judiciário para ver atendidos os seus tratamentos de forma satisfatória.
Em contrapartida, ao longo de séculos de história e da presença de inúmeras epidemias mundiais 2, alguns setores da saúde se desenvolveram a tal ponto que já contemplam tanto o conhecimento quanto recursos medicamentosos e tecnológicos para mitigar e, quem sabe, colocar na zona de erradicação, diversas patologias. É o caso, por exemplo, das vacinas.
Por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o calendário nacional de imunização oferece cerca de 30 vacinas gratuitamente à população; de modo que, doenças tais como, a Tuberculose, a Poliomielite, Difteria, Tétano, Coqueluche, Meningite, Sarampo, Rubéola, Caxumba, Hepatite B, Febre Amarela, Influenza e Pneumonia podem ser evitadas no país. Além disso, há vacinas voltadas para a saúde animal, como é o caso da antirrábica.
Ações que até bem pouco tempo vinham colhendo sucessos pela alta adesão popular; mas, de uma hora para outra, passaram a sofrer com uma avalanche de notícias falsas (Fake News) e, por consequência, a explosão de algumas dessas doenças vacináveis pelo país, com um número expressivo de óbitos dado a gravidade que sua ocorrência pode apresentar.  
Mediante esse passo atrás na história, a população como um todo perde muito na sua qualidade e expectativa de vida, sem dispensar a devida consciência a respeito das suas atitudes e comportamentos.  
É preciso entender que o fluxo de pessoas ao redor do mundo está cada vez mais intenso, seja por terra, água ou ar, e que muitos países não dispõem de uma agenda de vacinação como a nossa, nem tampouco gratuita. Ainda que para adentrar no Brasil, o governo estabelece ao visitante a comprovação de vacinação para algumas doenças, isso não implica necessariamente no cumprimento integral do nosso cartão vacinal. Então, se não imunizamos a nossa população de maneira adequada, ela fica exposta ao risco de um vírus de origem exógena.
Quase sempre a doença, então, chega incubada no paciente e só depois, de algumas horas ou dias, dependendo do caso, ela se manifesta e ele busca atendimento nos serviços de saúde. Nesse momento é que se tem a possibilidade de traçar um mapa de risco epidemiológico; mas, como determinar exatamente quantas pessoas foram expostas dentro daquele período de exposição?
Esse é o grande problema a se resolver; visto que, até que se tenha uma precisão diagnóstica quanto à doença, muitos vírus são disseminados pelo ar, por meio de contato direto entre as pessoas, ou seja, pelo espirro, por meio do toque em maçanetas, portas, ônibus, táxi, metrô etc.
Então, não bastasse esse movimento contrário as vacinações, parece que o governo brasileiro decidiu propor uma redução de despesas com a compra e a distribuição de vacinas no país 3; uma economia que já acena com ares preocupantes de gastos muito mais volumosos, por conta dos desdobramentos naturais que tal procedimento pode acarretar.
Relembrando que a não vacinação implica na manifestação da doença de maneira grave, demandando cuidados hospitalares, muitas vezes intensivos; portanto, a baixa disponibilização desses produtos pode desencadear um gargalo no sistema de saúde, especialmente o público. As carências e deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS) já estão expostas diariamente ao conhecimento público e não dispõem de mais espaço para absorver outros problemas, os quais podem ainda ser enfrentados por outros caminhos; como é o caso da vacinação.
Sem contar que as principais vítimas acometidas por uma decisão como essa seriam crianças, o que significa uma dependência da assistência direta de seus pais ou responsáveis durante o tratamento, seja ele domiciliar e/ou hospitalar; de modo que, eles precisam ausentar-se de suas atividades, inclusive, o trabalho. Cria-se, então, um somatório de vieses negativos que ao contrário de contribuir na redução de gastos, sobrecarrega ainda mais as questões de ordem econômica.
E se a solução encontrada para mitigar os gastos públicos é enveredar mais profundamente pela restrição na disponibilidade e acessibilidade de produtos e serviços básicos de saúde à população, especialmente para as parcelas mais carentes; mais distante ela estará de ser atendida em demandas de média e alta complexidade, que crescem anualmente em razão, principalmente, da fragilidade operacional do atendimento básico.  Por consequência, o processo de judicialização da saúde estabelecido nas últimas décadas tende a se cronificar ainda mais sem, no entanto, poder responder plena e afirmativamente com o êxito almejado pela população.  Sendo assim, pensemos com a devida seriedade a respeito!

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