#DiaMundialDePrevençãodoSuicídio
É
Setembro Amarelo...
Por
Alessandra Leles Rocha
E ainda há pessoas
se perguntando as razões de tantos suicídios pelo mundo 1.
Isso é inacreditável! Essa incapacidade de olhar além de si mesmo, de perceber
o que acontece ao redor, é absurdamente inacreditável.
Embora alguns transtornos psicológicos tendem a contribuir de modo significativo para o suicídio, é nas mazelas do cotidiano que se encontra o ponto chave desse gatilho mortal. Miséria,
violência, migração forçada, guerras, desemprego,... Se viver é uma arte, a vida
pós-moderna se supera na escolha da expressão; de modo que, os níveis de sobrecarga
e tensão impostos aos indivíduos ultrapassam quaisquer limites toleráveis.
Tudo é rápido,
intenso, mutável. Adequar-se a isso é a palavra de ordem; sem, no entanto,
a garantia de sucesso e realização. Inicia-se, então, uma busca desenfreada tanto
no campo do SER quanto no TER, fragilizando a percepção real do próprio indivíduo.
Atrás de suas
escolhas, vontades, comportamentos, ideias,... há sempre uma voz maior que sobrepõe
a sua. As conjunturas e as estruturas sociais se encarregam de “organizar” e “orientar”
os caminhos a serem seguidos. No fundo, nada é tão voluntário, tão espontâneo assim.
Mas, acaba acontecendo porque é da natureza humana o desejo de pertencimento,
de aceitação.
Se por um lado as
pessoas acreditam estar fazendo a “coisa certa”; por outro, os sentimentos e as
emoções pulsam como se algo não se enquadrasse, não se encaixasse
satisfatoriamente. Esse é o preço da sobreposição identitária, ou seja,
permitir que as identidades propostas e/ou impostas pelo mundo sejam dominantes
a identidade natural do indivíduo. O resultado disso é um processo gradativo de
violência emocional, física e mental.
Na medida em que a
aceitação perde espaço para a intolerância, a convivência e a coexistência se
tornam ameaçadas, favorecendo a um acirramento da individualização e,
consequentemente, da solidão.
O ser humano está
cada vez mais só na sua bolha; de modo que, o mundo vem se tornando um coletivo
delas sem que haja uma interação plena e profícua. Não é à toa que a expressão
intensa, quase palpável, de sentimentos como a fraternidade, o companheirismo,
a solidariedade, o altruísmo, a empatia,... está cada vez menos presente na
sociedade. Por isso, as pessoas se sentem sozinhas, apesar de não estarem.
Há, então, uma
desaprendizagem do diálogo. Reduzidas às possibilidades de outros para
conversar franca e abertamente sobre a vida, o mundo, as suas alegrias e tristezas,
o ser humano vai deteriorando suas habilidades e competências comunicativas,
silenciando a sua própria voz interior. Um silêncio bastante representativo
para a sua solidão. O ápice para a sua vulnerabilidade.
Nesse ponto crítico
a sensação de “não ter mais nada a perder” parece concreta e o mundo se exibe
cheio de artifícios para acentuar essa percepção. Drogas diversas, álcool,
compulsões, enfim... Ao contrário do que
se pensa o suicídio em si é apenas o trágico “gran finale”. O resultado de um processo de degradação humana,
lento e irremediavelmente doloroso.
Nenhum pedido de
socorro foi ouvido ou entendido. Nenhum olhar mais atento foi dispensado. Nenhum
afeto foi oferecido. Nenhum cuidado com as palavras foi estabelecido. Nenhuma compreensão...
Não havia olhos de enxergar voltados para aquele ser. Ele era mais um na
multidão dos bilhões. Invisível, tanto quanto a sua própria dor.
E quantos ao nosso
redor não caminham por essas trevas. Abandonados à sua própria sorte. Gente que,
de repente, perdeu o fio da meada da própria vida. Gente que não clama por uma piedade
degradante, mas por um acolhimento edificante. Gente, como eu e você. Que não
tem nada de diferente, em relação a nós, a não ser o fato de não saber como
lidar com esse mundo que está aí. Gente que certamente gostaria de viver; mas,
perdeu a esperança na luz dos olhos cruéis de seus semelhantes.
Não se pode aceitar
o suicídio como mera estatística da morte. As leis punem os crimes contra a vida,
pois ninguém pode retirá-la do outro. Mas o que fazem as mazelas do mundo,
e isso inclui diretamente a nossa participação social, senão empurrar os indivíduos
ao desespero incurável e sombrio, no qual a morte parece à única solução possível?
A vida tem feito de nós o mesmo que os feixes de cana na moenda. Bagaços. Almas
esbagaçadas. E bagaços não se reconhecem úteis, importantes, vitais.
Dizia Charles Chaplin
2, “falar
sem aspas, amar sem interrogações, sonhar sem reticências e viver sem pensar no
ponto final”. Já passou da hora de subverter essa lógica insana que alterou
o sentido e o valor da vida. A pressa, o desatino, a competitividade,... estão
exaurindo a sociedade e os prejuízos são sentidos em nível mental. A sanidade do
ser humano está à beira do colapso. Ressignificar os valores e as prioridades deve
ser a via a se percorrer. É Setembro Amarelo 3,
então, aproveite para pensar!