Aprendendo com a vida...


Aprendendo com a vida...



Por Alessandra Leles Rocha




Dizem que a reflexão oriunda das coisas ruins é sempre mais proveitosa do que das coisas boas. Que nosso aprendizado nesse contexto é mais substancioso. E se formos “colocar reparo” 1 nisso, vamos descobrir que é verdade.
Na sua altivez de pensar que é sempre “a última bolacha do pacote”, o ser humano tem caminhado mais e mais pela incerta certeza de uma autossuficiência de que “tudo faz, tudo pode”. Mas aí, eis que de repente, a verdade se escancara e o coloca de joelhos para pensar. Como diz Zeca Pagodinho, “quem não escuta cuidado; escuta coitado...” 2.
A última semana nos trouxe a pauta mais uma tragédia. Um incêndio em um hospital da rede privada, no Rio de Janeiro, que vitimou 11 pessoas, mais precisamente idosos. De fato uma notícia impactante e que vai, ainda, verter muitos comentários e desdobramentos; mas, que apesar de tudo, nos oportuniza uma profunda reflexão sobre o modo como nos relacionamos e nos responsabilizamos sobre a vida.
Infelizmente, se por um lado a humanidade apregoa o péssimo hábito de acreditar que tem o controle da vida nas próprias mãos, a velha máxima do “faço e aconteço”, por outro não a vejo consciente e nem discutindo sobre as próprias demandas de cuidados e de segurança que permeiam o seu dia a dia.
Isso significa, inconscientemente, que ela tem passado “cheques em branco” a terceiros quando o assunto é esse e é, justamente, nesse ponto que se coloca altamente vulnerável a todo tipo de riscos, dos menos aos mais graves. É a velha ideia de pensar que isso ou aquilo jamais acontecerá conosco.  A questão é que pode. São 50% de chance sim e 50% não. Não vale arriscar, vale?!
Tudo bem que, no caso desse incêndio no hospital, dada a própria fragilidade das circunstâncias pelas quais se busca um local como esse ninguém há de imaginar uma situação como essa. As próprias prerrogativas institucionais, tais como alvarás, licenças, vistorias dos órgãos de fiscalização municipais e/ou estaduais / federais, fazem crer que ali é um local seguro e adequado para a execução dos serviços de saúde. Então, é aí que entra o inesperado.
De uma hora para outra nos entendemos, então, dotados de uma absurda confiança ingênua, independentemente da faixa etária a qual pertencemos. Por incrível que pareça não nos preocupamos se tudo está em ordem no caso de alguma coisa dar errado. Confiamos em pessoas, à maioria desconhecidos, nivelando-os a partir da nossa própria régua comportamental, do nosso referencial de cuidado e de segurança.
Acreditamos 100% nas marcas e nomes que circulam em nosso cotidiano. Em efeito cascata dentro das relações sociais, nos esquecemos de que por detrás delas existem também outros seres humanos, que podem por alguma razão falhar, interesses, que podem ter sido colocados à frente das prioridades, enfim... é um emaranhado ciclo de interdependência, que no fim das contas, aponta para uma necessidade constante de atenção e vigilância.  
Os resultados ruins advindos de uma carência nesse sentido nem sempre podem ser superados, como no caso das tragédias. Quantas já assistimos ou ouvimos falar a respeito? Se isso acontece é porque permanecemos os mesmos crédulos de sempre. Negligentes quanto aos detalhes que fazem tanta diferença; sobretudo, quando o assunto é viver ou morrer.
A vida requer atenção em tempo integral. Tudo pode acontecer em fração de segundos. Estar alerta para as eventualidades é fundamental. Não é à toa que ao entrar em um avião você é informado pelo (a) comissário (a) de bordo dos procedimentos em caso de emergência. No Japão, por exemplo, que é um país susceptível a terremotos de grande amplitude, a população toda é submetida a treinamentos periódicos de como agir nessas situações.
Muitos perigos se escondem e, até, passam despercebidos. Mas, o acúmulo de coisas e resíduos em local fechado, rede elétrica exposta e sem manutenção periódica, locais de grandes aglomerações sem sinalização adequada para saída de emergência, armazenamento inadequado de combustíveis e materiais/produtos inflamáveis, ausência de equipamento específico para combate de incêndio,... são aspectos, mais do que evidentes, de risco iminente. É preciso, então, estar preparado para enfrentar esse tipo de situação.
Entretanto, sei que o inesperado, como foi a Tsunami de 2004, pode acontecer sem oferecer oportunidade de fazer coisa alguma, em termos de prevenção. Mas, naquilo que tange prevenir, a negligência lança sobre os ombros do ser humano um peso desnecessário, uma culpa imperdoável.  É nesse sentido que se deve exercer o egoísmo, ou seja, o cuidado consigo mesmo; antes que outros se preocupem com o seu bem estar é você quem deve estar na dianteira desse processo. É o seu instinto de sobrevivência.
Além disso, esse movimento proativo também atua na relação com a cidadania. Não basta acreditar, pura e simplesmente, que os gestores públicos e privados, que a indústria, o comércio e os prestadores de serviços estejam em dia com suas obrigações, no campo do cuidado e da segurança populacional. É preciso que o cidadão esteja atento e cobre, fiscalize, se manifeste em favor de mudanças, de adequações, de consolidação dessas responsabilidades. Veja o quão difícil, por exemplo, está sendo o trabalho em relação às tragédias de Mariana e de Brumadinho. Portanto, prevenir ainda é melhor do que remediar!




1 José Saramago. “Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara”. (Ensaio sobre a Cegueira)

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