Para pensar...


O homem, o Vírus... a Epidemia




Por Alessandra Leles Rocha




Em tempos onde as Fake News ocupam espaço na mídia e contribuem negativamente para o declínio das campanhas de vacinação, já vemos com esse comportamento o avanço do Sarampo; uma virose que já havia sido considerada erradicada do país retornou com índices preocupantes.  Se esses fatos despertam desconforto, imaginem o que se esconde nas entrelinhas, quando o assunto é vírus; afinal, segundo o vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia, em 1958, Joshua Lederberg, “A única e maior ameaça ao domínio contínuo do homem sobre o planeta é o vírus”.
Isso se explica pelo fato de que eles são parasitas intracelulares obrigatórios e, portanto, capazes de infectar bactérias (bacteriófagos), fungos (micófagos), plantas (vírus de plantas) e animais (vírus de animais), sendo que essa infecção acontece geralmente de maneira especifica, ou seja, há uma predileção entre o vírus e seu hospedeiro.  
No entanto, não é possível determinar quantos vírus existem em circulação no planeta. Primeiro porque alguns deles, como é o caso do HIV (Vírus da Imunodeficiência), têm capacidade mutagênica e podem dar origem a linhagens diferentes do vírus. Segundo porque daqueles que já são conhecidos e foram estudados, nem todos dispõem de mecanismos preventivos – vacinas e soros – ou de tratamentos, o que poderia levar à sua erradicação temporária ou mesmo definitiva. Terceiro porque, especialmente, em regiões de mata e floresta há uma diversidade de Arbovírus (Arthropod-borne vírus) ainda desconhecida.
E é justamente esse terceiro ponto que merece nossa maior atenção. No que diz respeito aos Arbovírus é importante que se saiba “são assim designados pelo fato de seu ciclo de replicação ocorrer nos insetos, podendo ser transmitidos aos seres humanos e outros animais pela picada de artrópodes hematófagos. Dos mais de 545 espécies de Arbovírus conhecidos, cerca de 150 causam doenças em humanos. As arboviroses têm representado um grande desafio à saúde pública, devido às mudanças climáticas e ambientais e aos desmatamentos que favorecem a amplificação, a transmissão viral, além da transposição da barreira entre espécies” 1.
Mas, com o avanço científico e tecnológico dos últimos séculos parece ter se criado uma cortina de fumaça que impede a sociedade de perceber a dimensão desse perigo. Se por um lado vivenciamos o surgimento de novos medicamentos e tratamentos para muitas doenças viróticas, por outro, “importantes e constantes ameaças em regiões tropicais devido às rápidas mudanças climáticas, desmatamentos, migração populacional, ocupação desordenada de áreas urbanas, precariedade das condições sanitárias que favorecem a amplificação e transmissão viral” 2 nos colocam em xeque-mate.
Lembrando que, “o único continente onde os Arbovírus não são endêmicos é o Antártico. Estes vírus tendem a ter uma distribuição geográfica e climática restrita, como parte de um subsistema ecológico especial representado pelo vírus, vetores, hospedeiros amplificadores e reservatórios” 3.
Portanto, o Brasil pertence à zona de risco; pois está “situado em uma área predominantemente tropical, com extensas florestas na Região Amazônica, além de florestas no leste, sudeste e litoral sul. Apresenta também uma grande região de pântano (Pantanal) no centro-oeste, uma região de savana (Cerrado), na área do planalto central, e uma região seca (Caatinga) no interior nordestino” 4.
Sem considerar se por ignorância ou se por mero descaso, o fato é que, infelizmente, apesar de uma ameaça real, não há por parte da população comum e dos gestores públicos uma reflexão mais contundente sobre tudo isso. Depois do que o país tem vivido com a epidemia de Dengue, Zika e Chikungunya, que são exemplos de arboviroses, entender que a Sustentabilidade Ambiental perpassa pela Saúde Pública já deveria ser ponto pacífico para todos.
Inclusive, pelo fato das convocações para eliminação dos focos do mosquito Aedes aegypti, principal vetor dessas doenças, apontarem para a responsabilidade antrópica sobre a disseminação da doença. Depois da epidemia de Febre Amarela no Rio de Janeiro, no fim do século XIX e início do século XX, desmatamentos, ocupação desordenada de áreas urbanas e precariedade das condições sanitárias reaproximaram os mosquitos do gênero Aedes (A. aegypti e A. albopictus) da população brasileira. Só que agora, no século XXI, a situação parece impossível de resolver apesar de toda a ciência e tecnologia.
Insistimos em afirmar que não há progresso e desenvolvimento se houver sustentabilidade. Mas, é preciso compatibilizar as demandas do homem com as demandas da Natureza, de modo a viabilizar um processo que sustente, defenda, favoreça, apoie e conserve o equilíbrio de um denominador comum. O que é plenamente possível de se realizar e já está posto em prática por diversas nações do mundo. Caso contrário, enquanto a sociedade colocar a mercantilização consagrada pelo progresso à frente de sua própria sobrevivência, a vida sobre a Terra estará à beira de um precipício.
Para quem assistiu Matrix 5, basta lembrar as palavras da personagem Morpheus “Cedo ou tarde, você vai aprender, assim como eu aprendi, que existe uma diferença entre CONHECER o caminho e TRILHAR o caminho”. O mundo produz maços e maços de dinheiro, quilos e quilos de moeda, todos os dias, e veja como tamanha produção é insuficiente, incapaz de eliminar a fome, a miséria, as desigualdades, a violência... A humanidade não é um todo. Fronteiras, abismos nos separam.
Vivemos uma degradação de tudo e de todos, até que não reste nada. No fundo o homem é o maior de todos os vírus e sua epidemia é tão voraz, que nem vida, nem sonhos, nem sentimentos, nem emoções conseguem dar utilidade ao dinheiro que voa pelos campos áridos de sua terra, que sucumbe a si mesma pelo encantamento monstruoso diante da própria riqueza.

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