Crônica da Semana


Por trás da cortina de fumaça




Por Alessandra Leles Rocha




Em algum momento o fogo que queima a floresta irá cessar a fumaça se dissipará e o rescaldo trará uma reflexão, quem sabe fazendo entender que havia fogo antes do fogo. Na vida há sempre uma “gota d’água” capaz de entornar o caldo; mas, que não necessariamente é a culpada pela engenharia do processo em si.
Vivemos em um mundo globalizado e penso que ninguém mais duvida disso. Como, também, vivemos uma tecnologia da informação bastante desenvolvida. Sendo assim, todos estão a se observar com atenção e acompanhando as falas, os discursos, as ações em tempo real.
Não é de hoje que a Floresta Amazônica, no tocante ao seu espaço no território brasileiro, padece os altos e baixos das investidas desastrosas contra a sua manutenção e equilíbrio. Desmatamentos, grilagem de terras, mineração clandestina, contrabando de fauna e flora, invasão de terras indígenas, enfim... são exemplos de um pouco interesse dispensado a uma região tão importante; sobretudo, à população brasileira que reside ali. Cidadãos, como de quaisquer outras regiões do país, mas que parecem menos importantes aos olhos da federação e, por isso, atendidos de maneira menos efetiva do que outros.  
No entanto, apurando a observação se vê que a questão não é só a Floresta Amazônica; mas, o Meio Ambiente brasileiro em geral. A história do Brasil revela em suas páginas os maus tratos que a Natureza por aqui sofreu enquanto colônia e pós-colônia portuguesa, o que significa que, de certo modo, impregnou-se na identidade nacional o discurso exploratório. Nosso Meio Ambiente foi explorado, dilapidado e, quando pudemos fazer diferente por não sermos mais colônia, perpetuamos o mesmo discurso. Basta comparar imagens da Mata Atlântica, por exemplo, ao longo desses quinhentos anos. Ou do Cerrado. Ou da Caatinga.
Embora a Ecologia tenha se firmado como área de estudo a partir da segunda metade do século XIX, as questões envolvendo a Sustentabilidade Ambiental só tomaram corpo e ganharam as mesas governamentais de discussão a partir da segunda metade do século XX, com o Clube de Roma, em 1968. De modo que as teorias, doutrinas e legislações passaram a se constituir pelo mundo, após um curso devastador para o Meio Ambiente; representando, assim, uma possibilidade de mitigar, a título de recuperar o que fosse possível, e conter novos avanços por meio de projetos e ações sustentáveis.
E naquilo que tange ao papel, o Brasil sempre se colocou partícipe e signatário dos acordos internacionais propostos para o Desenvolvimento e Sustentabilidade Ambiental. Pena, que entre a teoria e a prática houve sempre um grave desalinho a prejudicar a consistência e a credibilidade dos discursos nacionais. Veja que, apesar de sua Carta Magna, de 1988, dedicar um capítulo inteiro ao Meio Ambiente (Título VIII, Cap. VI, art. 225) a fragilidade com a qual se constituiu as politicas públicas para as questões ambientais evidenciam esse problema.
Parece que a Sustentabilidade Socioambiental é um obstáculo que causa um desconforto imenso para outros interesses do Estado brasileiro. Enquanto isso, ela vem sendo gradualmente desqualificada e rechaçada enquanto elemento prioritário na gestão nacional, ao contrário de ser recebida e ouvida na condição fundamental de campo científico parceiro ao desenvolvimento e ao progresso da sociedade; o que, inevitavelmente, resulta em otimização e aquisição de recursos financeiros.
Para se ter uma ideia sobre isso, não é só em termos de uma Sustentabilidade Socioambiental baseada no manejo e conservação dos biomas naturais que se percebe essa indiferença gestora. Quando se trata de assuntos como os resíduos sólidos, as doenças tropicais, os mananciais hídricos, as matrizes energéticas limpas, por exemplo, a realidade das políticas públicas, também, deixa muito a desejar, seja no campo dos projetos e/ou dos investimentos e fiscalização. Motivo pelo qual, acontece de muitas medidas serem anunciadas, iniciadas; mas, logo em seguida, paralisadas, representando um desperdício inimaginável de recursos. O que, mais uma vez, demonstra a quantidade de equívocos que permeiam e comprometem a consolidação de uma posição de credibilidade para o país, nessa seara.
É preciso, então, cuidado com essa cortina de fumaça criada pelas queimadas na Floresta Amazônica. Ao flexibilizar tanto a relação discurso/ação, o Brasil se perde quanto ao lugar que, de fato, pretende ocupar no cenário internacional e dá margem para transparecer como um país que não tem palavra, que rotineiramente falta com a verdade. Se ele considera que os outros não estão cumprido com suas agendas ambientais, isso em nada justifica ou absolve o seu próprio não cumprimento. Afinal, essas farpas dispensadas pelo Brasil no cenário internacional comprometem o seu próprio discurso sobre ingerências e soberania.
Cada um é responsável por si, para que haja responsabilidade pelo todo. No momento, o que está em questão não é apenas a Floresta Amazônica, mas, se há ou não uma agenda de Sustentabilidade Socioambiental brasileira, capaz de incluir todos os tratados de Meio Ambiente, já firmados internacionalmente pelo país, os quais repercutem, também, em diversos tratados econômicos.  
Em tempos de uma economia global tão susceptível aos humores é preciso estabelecer diálogos francos e objetivos, ao invés de distanciar-se para falas e comportamentos deselegantes, vitimistas e pouco producentes, os quais, sobretudo, mancham uma história exitosa da diplomacia brasileira. Fico até pensando o que diria Rui Barbosa 1 nessas alturas do campeonato!




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