#DiaNacionalDoEscritor


Os escritores e as palavras




Por Alessandra Leles Rocha




Em um mundo constantemente invadido pelos ruídos da comunicação, escrever é um caminho para se fazer entender. Sei que não é tarefa fácil. Às vezes faltam palavras para expressar o turbilhão de ideias que povoam a mente e a alma; mas, com um bocadinho de boa vontade, de disposição, a gente chega lá.
Sem contar que a escrita é um registro perene. A chance de contestação, do chamado ‘diz que me disse’, é muito menor. Afinal, o ato da escrita exige um mínimo de concentração. Então, desacelerar é fundamental e, dessa forma, há uma lucidez maior, um controle organizacional do pensamento para a construção da mensagem.
Portanto, estão ali as palavras, fixas naquele substrato físico ou virtual. Basta ler. Basta entregar-se ao tempo de compreender o que transmitem aquelas linhas e entrelinhas e sorver o significado materializado pelo código. O que difere completamente da oralidade que, quase sempre, se mistura no fogo das emoções e sentimentos, promovendo uma perda da clareza e da objetividade, deixando muitas vezes lacunas importantes durante o processo dialógico com o outro.
Aliás, se pensarmos bem é fácil perceber que a importância da escrita para a humanidade vai além da mitigação de conflitos de comunicação. Escrever é antes de tudo um traço da nossa evolução. Aprendemos a falar desde cedo, mas nossa efetiva inserção na sociedade se dá pela capacidade da escrita e da leitura. No aprendizado de como reconhecer e utilizar os sinais, símbolos e códigos que compõem a língua materna, nos tornamos alfabetizados. E de posse desse saber nos lançamos na aprendizagem do letramento que está intimamente ligado aos modos culturais de uso dessa linguagem, ou seja, considerando-a uma prática cidadã e crítica contextualizada.
Não é à toa, então, que o cotidiano de nossas relações seja marcado pela presença da escrita como garantia de compromisso, de responsabilidade, de direitos, de deveres, enfim... Aquilo que queremos registrar para a posteridade é estabelecido pela escrita. É assim que nos tornamos escritores da nossa própria história, escrevendo sem que, necessariamente, utilizemos requintes de erudição para fazê-lo.
Mas, o bom mesmo em relação à escrita é quando nos permitimos romper com os pudores e não me toques, tornando-a necessidade básica como qualquer outra. É assim que ela nos metamorfiza de alguém que escreve para um escritor. Aí alçamos voos indomados pelo pensamento, pela criatividade; embora, cientes que para tal precisaremos cuidado e atenção às normas e diretrizes da linguagem.
Ser escritor é ser cúmplice das palavras. Essa é uma relação silenciosamente muito íntima e pessoal com o subjetivo e, talvez, por isso muitos tenham receio pelo grau de exposição de si mesmo que ela pode desencadear. Mas, como quaisquer formas de arte, escrever nos permite registrar as nossas impressões mais profundas sobre a vida, o mundo e as pessoas.
Enquanto se escreve se desenvolve automaticamente uma maneira de ler esse cotidiano, tantas vezes cinza e sisudo, por outras lentes. A possibilidade de escolhermos as palavras para tecer nossas considerações faz desse tipo de visão um bálsamo diante da rudeza, da crueldade, da impiedade que nos cerca. A escrita tem essa capacidade mágica, única, de atenuar, de abrandar as sombras e a escuridão, inclusive da própria alma. Por isso, um escritor não se cansa de escrever. O oceano das palavras precisa ser nutrido pelas gotas que perfazem os veios caudalosos dos rios que cortam seu corpo imaterial.
E assim, escritores cruzam os caminhos de não escritores para conversas de silêncio. Pelo registro das palavras a construção dos significados e da significância das mensagens para cada um vai implementando a pluralidade das emoções e das possibilidades dialógicas no mundo. Afinal de contas, ali se encontram respostas. Conselhos. Reflexões. Advertências. Pelas mãos de tantos que só a geografia da escrita poderia um dia agregar. No fundo, entre escritores (e não escritores, também) e palavras reside a mais bela e enigmática simbiose existencial.

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