Para as MENINAS DO BRASIL!

Isso é que é gol de letra!




Por Alessandra Leles Rocha




Aos que consideram o momento oportuno para se alegrarem com o resultado ruim, na tarde de hoje, da Seleção Brasileira Feminina de Futebol, peço muita reflexão. Não é porque uns e outros são contra as mulheres no esporte ou em quaisquer outros lugares de destaque, que isso lhes dá o direito de tripudiar sobre o talento, a garra, o esforço, a determinação e a coragem desse grupo. Afinal, a França só ganhou a partida no segundo tempo da prorrogação, ou seja, o jogo estava aberto para ambos os lados.  
Ora, a situação já começa esquisita quando se referem ao torneio como Copa do Mundo de Futebol Feminino. Como assim?! Futebol é futebol para homens e mulheres. Mesmas regras. Mesmo VAR. Mesmo campo. Mesmo. Não é o futebol que é feminino, mas as seleções participantes. Por isso, o correto é Copa do Mundo Feminina de Futebol. E isso meus caros, não é mimimi não. Se você não sabe, aprenda que é pelas palavras inapropriadas, equivocadas, que se constroem os discursos mais abomináveis de intolerância, de desrespeito, de desigualdade.
Assim, como em tantas outras situações cotidianas, o esporte desenvolvido pelas mulheres permanece invadido por um olhar de reprovação, que visa literalmente desconstruir a sua ascensão mundial. Não é à toa que Ada Hegerberg, jogadora norueguesa de futebol e vencedora do prêmio “Bola de Ouro”, da revista francesa France Football, em 2018, noticiou que iria se afastar da Copa do Mundo de Futebol Feminino deste ano se sua federação não igualasse as condições entre o futebol masculino e o feminino 1. Então, eu fico pensando: se na Europa as coisas estão assim, imagina aqui no Brasil!
Esta aí a razão pela qual precisamos refletir, nos questionar, quanto ao que significa realmente perder. Na essência das disputas desportivas ganhar ou perder faz parte do jogo. Então, elas não perderam em campo hoje; nossas meninas do futebol estão perdendo, há décadas, é fora dele. Talvez, como qualquer outra menina, de qualquer outra área de atuação profissional, é no conservadorismo ideológico, que limita o ser humano nas suas escolhas e coloca todo tipo de empecilhos para dificultá-las, que a sociedade brasileira lustra a insígnia de perdedora.
Temos a maior de todos os tempos, entre homens e mulheres do futebol: Marta, a nossa camisa 10. E teríamos quantos outros talentos natos como ela se o país se permitisse garimpá-los, hein? Mas, ao invés disso, de investirmos comportamental e materialmente na igualdade traduzida pela liberdade de escolhas dos (as) nossos (as) cidadãos (ãs), temos repetido, como mantra, a pecha da derrota para justificar o distanciamento da vitória, do pódio, do sucesso e, assim, permanecermos imóveis. A questão é que a falta de oportunidades sempre fomentará as derrotas.
Durante a Guerra Fria, por exemplo, o esporte (especialmente o de alto rendimento) foi moeda de persuasão geopolítica. Dominar as grades desportivas estava nas metas de soviéticos e norte-americanos. Cada qual queria demonstrar seu poderio por meio das glórias de seus atletas. Sem contar que ginásios e estádios cheios de gente movimentam a economia, geram divisas. Torcedores consomem bonés, camisas, agasalhos, uniformes, e todo tipo de produto ligado à marca de seu time. Quando esse se divide em dois, os lucros podem ser ainda maiores. Já pensou?!
Enquanto insistimos em enxergar o ser humano pelo gênero esquecemo-nos de enxergar a sua humanidade, a sua essência, as suas habilidades e as suas competências. Nesse movimento estranho, para não dizer retrógrado, de querer formatar as pessoas para que elas caibam dentro dos nossos ideais, das nossas pretensões, estamos infelizmente liderando uma produção em série de gente que só pode fazer “o que o Senhor Mestre mandar”. No entanto, é na singularidade de cada um que o mundo gira com mais qualidade, com mais resultado.
Já dizia Raul Seixas que “Sonho que se sonha só / é só um sonho que se sonha só / mas sonho que se sonha junto é realidade”; então, que hoje seja um marco definitivo para rompermos com a degustação das frustrações construídas.  Não pequemos mais por nossa omissão mesquinha e infundada, de gente que parece viver na Idade das Trevas. Não importa quem veste à camisa canarinho; o que importa é que vista sempre com altivez, com respeito, com vontade de realmente vesti-la.
Assim, segundo as palavras de William Shakespeare, “plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar, que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!”. Parabéns Bárbara, Tamires, Cristiane, “Formiga”, Debinha, Andressinha, Andressa Alves, Thaisa, Beatriz Zaneratto, Mônica, Poliana, Aline, Ludmila, Letícia, Raquel, Camila, Tayla, Geyse, Letícia, Daiane, Luana, Kathellen e Marta por dignificarem com tanto respeito e talento os cidadãos brasileiros. Isso é que é gol de letra 2!