Dia Mundial de Combate à Desertificação...


Desertificação da Alma



Por Alessandra Leles Rocha



Hoje é Dia Mundial de Combate à Desertificação. Repensar as formas de uso e ocupação do solo; bem como, os padrões de consumo e o crescimento populacional, é algo imprescindível para a manutenção do Meio Ambiente e, por consequência, a nossa. Mas, para combater esse tipo de desertificação, talvez, tenhamos que partir para uma atitude extrema, que diz respeito à Desertificação da Alma.  
Infelizmente, não há como negar a aridez que toma conta do ser humano contemporâneo e projeta a sua existência ao contexto virtual. Secaram-se os veios das emoções, dos sentimentos, das palavras que uniam os indivíduos por meio de uma habilidosa fiação. O deserto do TER solapou a essência do SER. Subservientes às máquinas, as tecnologias, estabelecemos a ideia equivocada de nos abster da realidade. Como se fôssemos livres para não nos importarmos com nada nem ninguém.
Mas a existência humana é a existência humana. Temos direitos. Temos obrigações. Temos regras a seguir e a cumprir diariamente. Nada de ilhas. Somos singulares e plurais. Nossas atitudes, nossos pensamentos, nossas escolhas somam-se e multiplicam-se, dando origem a repercussões inimagináveis. Por isso nosso poço de areia é tão perigoso. Nunca se sabe se ela é movediça ou não. Se vai nos puxar para baixo, retirar nosso ar até o último suspiro e nos fazer sucumbir. Não, não há oásis nos desertos da alma.
Almas secas só dispõem de espinhos que as retalham silenciosa e gradualmente. Os desertos da alma são sombrios e só visíveis à luz de uma cegueira ensandecida. Sim, quando se deixa de enxergar os fatos, de se guiar pela lógica, de admitir o óbvio, de priorizar as demandas mais essenciais à sobrevivência, de esquecer-se da própria condição humana. 
Aí, nesse ponto, nada mais parece importar. A vida alcança uma banalização inconcebível na era do “vale quanto pesa”. Na balança do mundo nossos quinhões de areia se equilibram ao peso das moedas de ouro, como se as almas pudessem ser leiloadas em detrimento dos interesses e valores mais nobres, mais éticos. Sim, na desertificação da alma perde-se o espírito, mas não a pose, ou o status, ou o poder. E nem sabíamos que a dor, o sofrimento, a violência,... podiam ser anestesiados de uma forma tão vil e perversa assim.
De repente a desertificação da alma nos mostrou que os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, na verdade, é um só, ou seja, o ser humano. Na sua alma árida as sementes da Peste, da Guerra, da Fome e da Morte encontraram substrato profícuo para florescer e prosperar. Por isso, não é à toa, que as desertificações se misturam sem que nada seja feito para contê-las. A naturalidade com que tratamos os dantescos espetáculos da vida responde satisfatoriamente a essa questão.
Afinal, rechaçamos com uma veemência descomunal a realidade que julgamos não nos ser aprazível e nem palatável. Lançamos o mundo real para debaixo das nossas areias, soterramos as verdades "inconvenientes" que nos incomodam, que nos desconfortam, para que só reste uma idealização fria e material. Ali, no espaço limitado da tela, o justo, o belo e o bom podem ser visualizados, como na experiência de quem visita uma exposição, mas não pode ter consigo aquele objeto.
Pois é, abrimos mão de conviver, de ser, de existir, pelas migalhas de uma novidade incerta. Por prazeres que não alcançam mais do que uma rotina de fastio e frustração. E por quê? Para sermos areia, grãos de silício, que se deixam levar pelas intempéries, sem rumo, sem destino,... representantes maiores de uma vida resumida ao blasé.  


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