Crônica do fim de semana!


Educação – o Custo e a Constitucionalidade



Por Alessandra Leles Rocha




Desde que a Justiça brasileira passou a desempenhar um protagonismo nas decisões mais importantes do país, que não são raras as ocasiões de questionamentos em torno da constitucionalidade ou não de determinada pauta. Afinal, a Constituição é a Lei Magna, ou seja, a lei que sustenta todo o arcabouço jurídico do país, servindo como garantia dos direitos e dos deveres para todos os cidadãos.
Além disso, é importante ressaltar que, embora guardada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), eventuais alterações no seu texto exigem a aprovação de Emenda Constitucional por parte das Casas Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, que se desenvolve a partir de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC). É o que tem acontecido, por exemplo, no caso da Reforma da Previdência.
Então, diante das recentes notícias sobre cortes no orçamento de Universidades Federais, Institutos Federais de Educação e Colégios de Aplicação, como o Pedro II, no Rio de Janeiro, a questão Constitucional me veio à mente.
Isso porque, segundo a Constituição Federal de 1988, Capítulo III, Seção I, art. 212, A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. E completa §3º, A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação”.
Tendo em vista que a Constituição é lei máxima e obrigatória, o presente no Capítulo III, Seção I, e tudo mais que nela está previsto não poderia em hipótese alguma ser descumprido; ainda que a “justificativa de crise econômica” paire sobre o céu do país.  Nenhuma carta constitucional se sustenta sob exceções. Ela estabelece normas, diretrizes, que em quaisquer tempos e situações têm que ser cumpridas; sobretudo, pelos mandatários do poder. Se isso não acontece, algo está errado, não é mesmo?!
Então, ouve-se falar sobre contingenciamento de recursos, ou seja, no retardamento ou, ainda, na inexecução de parte da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária em função de ineficiência de receitas. Ora, mas se houve má gestão que culminou nessa insuficiência, ou se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) decidiram transgredir os princípios fundamentais, isso não foi registrado e nem assegurado como premissa para o descumprimento constitucional.
Está se abrindo um precedente perigoso! Não é difícil de perceber que esse tipo de prática vem acontecendo país afora, “flexibilizando” e “afrouxando” nossa legislação de maneira aviltante, especialmente no tocante aos direitos sociais básicos como Saúde e Educação.  
Interessante é verificar que essa prática não causa constrangimento governamental. Ao justificar a operacionalização de tais contingenciamentos para a Educação, o governo parece se esquecer de ter oferecido a destinação de um “extra de R$40 milhões em emendas parlamentares até 2022 a cada deputado federal que votar a favor da reforma da Previdência no plenário da Câmara” 1.
Bom, se há uma crise econômica que precisa ser debelada, há a necessidade de esforços coletivos. No Congresso Nacional, por exemplo, sem contar o que representa o gasto mensal com cada um dos 513 deputados e dos 81 senadores, o custo com a assessoria parlamentar é totalmente fora de propósito e não se ouve comentários de cortes orçamentários nesse sentido 2. Enquanto que, no Supremo Tribunal Federal (STF) abriu-se recentemente uma licitação para as refeições da Corte, no valor de R$1,1 milhão 3.
Fica a dúvida, então, se há ou não há falta de recursos. Enquanto não se esclarece, a reponsabilidade constitucional padece. Afinal, ela diz claramente que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Capítulo III, Seção I, art.205).
E aí se abre outra dúvida, o Brasil quer ser protagonista ou reles coadjuvante no cenário econômico mundial? Porque, se as palavras foram colocadas da forma como estão no texto Constitucional significa que em algum momento da história, o país teve pretensões reais de desenvolvimento impulsionado por bases sólidas na Educação.
Imagino que alguém ouviu falar sobre Theodore Schultz. Afinal de contas, como bem constatou esse Prêmio Nobel de Economia, em 1979, investir em educação aumenta a riqueza de um país, porque investir em “capital humano” se traduz na maior parte do crescimento econômico de uma nação.  
Então, não precisa esforço para pensar muito; olhe para a Finlândia e a Coreia do Sul e tire suas próprias conclusões. Eles estão onde estão porque decidiram constituir um planejamento consistente na área de Educação. Eles sabem aonde querem chegar, como irão fazer para alcançar seus objetivos, que perfil de profissionais é necessário para colocar em prática esse planejamento e quanto precisam investir para ter tudo isso traduzido em resultados satisfatórios.
O que consideramos supérfluos, eles consideram prioridade. Talvez seja hora de conter o excesso da caneta e refletir, sensata e equilibradamente sobre nossas reais prioridades. Olhar além dos próprios muros, reconhecer os equívocos e estabelecer novas diretrizes. Não nos esqueçamos de que “a Educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida” 4.





4 Sêneca (04 a.C.-65) foi um importante filósofo, escritor, mestre da arte da retórica, membro do Senado, questor e magistrado da Justiça Criminal, durante o Império Romano.

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