Crônica de Domingo!
Por Alessandra Leles
Rocha
Em 20 de julho de 1969, o homem pisava em solo lunar pela
primeira vez na sua história. Mas, passado meio século desse episódio, me
questiono qual foi efetivamente o verdadeiro impacto disso para a realidade de
bilhões de seres humanos.
Sob a ótica da tecnologia, talvez, seja fácil responder. A
corrida espacial motivada pela Guerra Fria, entre os norte-americanos e os
soviéticos, deu forma a inúmeras inovações que posteriormente chegaram às residências
de milhões de pessoas mundo afora, representando progresso e desenvolvimento ao
cotidiano. Comidas e medicamentos liofilizados, computadores, roupas
resistentes ao frio e ao calor extremos,... são apenas alguns exemplos do que chegou
de benefício as pessoas.
Mas, depois de cruzar a imensidão azul e enxergar a Terra
como um ínfimo ponto suspenso no ar, não parece pouco considerar suficientes
para a existência humana, somente, certos avanços tecnológicos? Eu sei que eram tempos da bipolaridade geopolítica
mundial; mas, mesmo assim, algo tão surpreendente não deveria ter sido capaz de
nos impactar além, mais profundamente?
O ser humano alcançou o espaço, rompeu as barreiras do
conhecimento que o mantinham com os pés fincados sobre a Terra. Um grande feito,
sem sombra de dúvidas. Mas, ao olhar para o céu deveríamos ter olhado para nós
mesmos. Deveríamos ter pensado, refletido mais intensamente sobre as razões que
nos impulsionaram para tal realização. Em qualquer empreitada os elementos
motivadores devem sempre ser considerados. Isso evita aborrecimentos, gastos desnecessários,
desperdício de energia, enfim.
No entanto, como disse anteriormente, eram tempos de uma
guerra silenciosa; mas, não menos cruel e perversa como quaisquer outras. Da perspectiva
terrestre dois blocos humanos disputavam a hegemonia e a superioridade sobre o
mundo. O poder, o capital, a geografia, a dominação sociocultural, estes eram a
motivação para alçar um voo tão alto. E enquanto se prendiam fixos e obstinados
a esses valores, a Terra permanecia o mesmo grão de areia no espaço, vivendo
seus desafios e incongruências humanas.
Sem consenso de quem venceu a disputa, pois cada um traça uma
resposta particular sobre o assunto; a verdade é que nesses 50 anos olhar para
cima parece ter sido apenas uma maneira superficial e inconsistente de não
confrontar a realidade plana do campo de visão. De longe tudo parece calmo,
tranquilo, sob controle. Não há problemas, ou guerras, ou miséria, ou
desigualdade... o planeta é só um pontinho azul no escuro do universo.
A Guerra Fria acabou; mas, as desigualdades continuaram a ser
tecidas, estabelecendo novos caminhos de polarização e acirramento geopolítico.
Infelizmente, para os pobres mortais, a Lua continuou com seu status de satélite
natural, de cúmplice dos enamorados, de responsável pelas marés. O fato de
seres humanos terem ido até lá, não fez da vida aqui algo melhor. A Lua bem
sabe disso! Permanecemos temerosos diante daquilo que não conhecemos; egoístas,
arrogantes e prepotentes diante daquilo que já conhecemos, já dominamos, já identificamos
como propriedade.
Fincar os pés em solo lunar, em 1969, foi mais um rompante
dessa sina desbravadora que acompanha o ser humano desde sua gênese. Sua essência
parece viver de uma sede implacável do nomadismo, sempre se deslocando em busca
de um lugar onde encontre benefícios para sua sobrevivência. Mas, nesse caso não
foi só uma questão de sobrevivência, no fundo, desbravar a Lua representa
subjetivamente essa dificuldade que o ser humano apresenta de lidar com a
realidade, de procurar soluções efetivas para seus problemas; no fim das contas,
ele acaba por transitar pelos atalhos, pelos placebos, pelos remendos. Um gigante
para pisar na Lua, um anão para enxergar-se diante do próprio espelho.
Assim, o verdadeiro impacto de 1969 para a realidade de
bilhões de seres humanos é não ter promovido impacto nenhum na sua compreensão existencial
tanto pessoal quanto coletiva. O ser humano permaneceu bicho, um bicho encantado
com a bolinha branca e brilhante no céu. Irreflexivo, imediatista,
inconstante,... um bicho. E, por isso, continua a fazer estragos, a perturbar a
paz e o sossego, a agir com fúria e violência quando contrariado... Não é à toa
que Albert Einstein afirmou: “duas coisas
são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao
universo, ainda não adquiri a certeza absoluta”.